Sou policial
militar e sempre considero o tema da desmilitarização como algo sério. As
polícias estaduais militarizadas desde a sua formação nem sempre levam consigo
aquilo que deveria ser o benefício de uma educação militarizada.
Muito pelo
contrario, começam a conhecer a injustiça dentro de suas próprias instituições
desde cedo, aprendendo que um superior hierárquico por mais errado que esteja
não pode ser "observado" por seu subalterno, ou seja, no militarismo
a hierarquia sobrepõe-se ao certo, e a critica exercida em favor da verdade
(esta tão importante critica que leva ao aperfeiçoamento e correções de erros)
é passível de punição...
Na formação,
ou seja, no curso de formação de soldados, o tratamento degradante é posto como
ferramenta para a forja de obediência, na justificativa que as situações
extremas levam o ser humano a gravar com mais força aquilo que quer ser
ensinado. Discordo. O que me leva a discordar é que estes cursos de formação de
soldados ensinam que a humilhação é parte da educação militar, o que vai de
encontro a qualquer linha de pensamento amadurecida e evoluída.
Um curso que
ensina que ocupamos uma posição onde devemos aceitar a perseguição, a punição
nem sempre justa, e esperar que todos os que passam por este tipo de formação
desvalorativa exerçam com amor uma profissão que iniciou exercendo a
humilhação?
Os instrutores
em primeiro lugar devem ser tratados como semideuses não se podem discordar
deles, e nem sempre há como gostar deles.
Não existe uma
ponte entre o discente e o docente e isso não existe! Não há aprendizados sem
interação.
Deve-se pagar
com respeito e reverência instrutores que humilham, perseguem, e que levam o
limite do desrespeito ao extremo... Isso gera respeito? Não, gera repulsa,
desprezo, revolta, por mais que isso não venha a superfície pelos controles
institucionais.
Um aluno de um
CFSD deve ser humilhado para tratar com respeito os cidadãos que dependem de
seu trabalho?
Que tipo de
educação humilha com a finalidade de ensinar o respeito?
Apenas a
educação militar, porque esta não evoluiu.
O mundo
evoluiu, as ciências exatas ou não tiveram seu ganho, seu crescimento, a
educação escolar assimilou este crescimento, reconhecendo as reais
necessidades, abordando linhas teóricas que levam a sério o papel do aluno e do
educador, e do como o ambiente de formação irá determinar as tendências de
futuras práticas.
Mas o
militarismo está estagnado, e não evolui, por quê? Não sabe o que é
construtivismo, apenas sabe que a regra da educação é o exercício da injustiça
e que sua aceitação é de fundamental importância para se formar uma tropa que
não questiona, que não denuncia, porque tem na memória que isto gera punição e
não trás benefício algum.
Uma tropa de
policiais militares que aceita uma formação como esta tende a se fechar para o
mundo, e aceitar que sua instituição é injusta com seus membros e sempre vai
ser assim, autoritária, punitiva, e não há como melhorá-la.
Durante as
instruções a tensão e o stress são a nota tônica diária em um CFSD. Como alguém
pode aprender ou se interessar pelo aprendizado se nem sempre vê com real
respeito o seu instrutor?
Se está mais
preocupado em não ser humilhado do que em aprender(aprender não seria a razão
fundamental de um curso de formação?), se não pode questionar para construir um
conhecimento junto com o seu instrutor como ocorre em universidade, escolas,
instituições sérias?
Não são poucos
os instrutores de que recordo que faziam do ambiente de aprendizado uma
passarela da vaidade comum aos graduados e oficiais, onde eles deveriam ser
temidos, louvados e temidos mais uma vez, deixando a síndrome do pequeno poder
escapar, a olho nu, pelos poros.
O que um
ambiente desta forma? Tenho certeza que não forma pessoas que reconhecem o
respeito advindo de uma boa relação como algo importante na prática diária.
A qualidade do
conteúdo ensinado é questionável. Empresas de segurança privada às vezes prezam
mais pela formação do que algumas unidades militares.
Instrutores
despreparados que exercem o cargo apenas pelo fato de serem graduados (cabos ou
sargentos) e oficiais e que ao menor sinal de exteriorização da atenção e da
compreensão de um aluno repreendem sem razão, humilham, apenas para deixar
claro a cada segundo que eles são semideuses, e que não podem ser questionados.
O que estão
ensinado? Estão ensinando a intolerância, e nada mais. Quem irá descobrir isso?
O cidadão que irá constatar que uma formação deixa seus reflexos. Pessoas que
exercem seus problemas de personalidade me pleno vapor porque são graduados e oficiais.
Fazem de sua loucura a regra, e da justiça um favor que deve acontecer
raramente, nos moldes de Maquiavel.
Conteúdo para
aprendizado não falta. A policia brasileira e as demais policias do mundo
acumularam conhecimento pratico e teórico para alimentar um curso de formação
em três turnos diários, mas (absurdo!!) até o acesso a estes saberes é posto
como privilégio?
Sabe qual é o
único modelo educacional onde isto acontece? NO MILITARISMO.
O saber é
hermetizado, não deve ser de todos, para que se torne símbolo de STATUS.
E quem
realmente necessita do conhecimento para não cometer erros fica a ver navios..
Há cursos onde o tiro prático é mínimo, e sabe o que os comandantes que são
responsáveis por estes cursos dizem?
Que houve
instrução, instrução suficiente(dizem isto porque sua competência como
comandante está em cheque se der outra resposta, e a mentira e conivência
mantém sua reputação inabalada) e que se um policial erra, deve ser punido,
deve ser expulso da PM, que é um bandido, e que ele(o comandante) com prazer
irá exercer a justiça nos casos de erro.
A justiça,
oferecida em doses miseráveis e duvidosas. Existem centros de excelência na
formação policial? Sim, existem. Mas estes não devem ser tratados como regra,
porque a maioria não é. Já foi pior?
Isso não
justifica o impedimento de melhoras. Quando Sun Tzu fala da importância do
treinamento e de como o suor derramado nele poupara a vida no futuro, este suor
é interpretado apenas como TFM sem repouso (repouso, tão importante quanto o
exercício, vide Fadiga em combate, de Heitor Freire de Abreu). Não há conteúdo
suficiente no currículo dos instrutores para que haja outra instrução?
Mas o que
dizem os Oficiais?
Que existe
formação, e formação suficiente. Uma mentira. Dizem isso para não parecerem
incompetentes, para não perderem favores políticos.
Se omitir, se
corromper ou ir para a guerra? Isto é cinema? De onde vem o exemplo de
corrupção dentro de nossas instituições? Quem vende o controle do rebanho a um
telefonema de um vereador, e que para receber favores diz que o certo está
errado e que o errado está certo? Sim há corrupção na policia, porque não há
como ela estar dentro da sociedade brasileira e não herdar dela algumas
características.
A policia do
Brasil é composta de brasileiros, por mais que os brasileiros finjam que não.
As ciladas jurídicas e o exercício do preconceito contra policiais que
trabalham em uma situação de guerra em tempos de paz fazem que logo cedo se
entenda que o que se lê como omissão é na verdade a posição mais segura diante
do sistema que oferece a cabeça de um policial como Herodes ofereceu a de João
Batista diante da dança cheia de promessas de uma puta.
E temos muitas
putas para isso.
E quando estas
faltam,seus filhos dão conta do recado. E o que dizem os oficiais a respeito da
desmilitarização? A mesma coisa que diziam os senhores de escravos sobre a
abolição. Que é necessário controlar. Que este é o único meio de controlar.
Alardam revoltas, indisciplinas, e casos onde o militarismo é a única resposta.
E quando a revolta é fruto do militarismo? E quando a indisciplina é a voz de
um ser humano que não consegue conter dentro de si o asco que tem diante das
injustiças?
Oficiais não
querem perder o rebanho de escravos puníveis que tem a sua disposição. Mas
querem saber? Eles irão perder. Não sei quantos João Batistas decapitados e
esquecidos serão necessários para profetizar isso. Mas irão perder sim.
Sabe qual foi à
justificativa dos Oficiais da marinha sobre o uso da chibata que culminou com o
episódio "revolta da chibata"?
Que a chibata
era o único meio de controle e disciplina viável para as coisas funcionarem.
Mas sabe o que é mais forte do que isso? É o contagio do NÃO a injustiça. Dizer
não a injustiça por mais cheirosa, bem vestida e apresentável que ela seja.
Sei que os
relatórios que se fazem contra a desmilitarização são entregues por pessoas
assim nas mãos de políticos, e os políticos olham e pensam: "bem se um
homem tão decente, apresentável, insignado, apresenta números tão horríveis
sobre Inquéritos administrativos, ele deve estar certo: o militarismo é o único
controle viável.
“Talvez se os
deputados e senadores conhecessem a metade das historias de injustiça e
perseguição que o mais recruta dos soldados conhece, talvez se nos mudássemos a
condição de narrativa discreta sobre o que ocorre dentro de nossas
instituições, como um folclore maldito, que ensina como um mito grego verdades
mentirosas, que perpetuam a viabilidade da injustiça, talvez se narrássemos e
dermos voz aos absurdos, os homens bem vestidos, cheirosos, respeitosos, que
entregam relatórios que desacreditam na viabilidade da desmilitarização fossem
questionados, e a voz neste momento considerada insurgente de "God save
the queen, Her fascist regime; It made you a moron, A potential H bomb"
fosse ouvida de alguma forma.
Porque algumas
unidades militares no Brasil são o que restou do fascismo, aquartelado,
maquiado. E só.
Pompeu Bezerra de Mello
SD PM/RN
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