segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Urna não é tribunal. Não absolve ninguém

 



"Não custa lembrar: Nixon teve de renunciar ao segundo mandato por causa de uma besteira feita no primeiro. Foi eleito pelo povo. Foi deposto pelas instituições"

Um novo refrão anda "nas cabeças, anda nas bocas", poderia dizer o lulista Chico Buarque: a possível reeleição do presidente absolve os petistas de todos os seus crimes. As urnas fariam pelo PT o que o ditador soviético Josef Stalin fez por si mesmo: apagar a história. É um embuste. A vantagem do presidente se deve à economia, à inépcia e inapetência das oposições, às políticas assistencialistas, tornadas uma eficiente máquina eleitoral, e à ignorância, agora a serviço do tal "outro mundo possível". O povo é, sim, um tipinho suspeito, mas não vota para livrar a cara dos marcolas da ideologia.
 


O voto do ignorante vale menos? Não. Mas também não vale mais. Nem muda a natureza das instituições. E não absolve ninguém, tarefa que continuará a ser da Justiça. A vacina contra o autoritarismo virótico de quem pretende cair nos braços do povo para ser absolvido de seus crimes está em Origens do Totalitarismo, da pensadora judia-alemã Hannah Arendt. Aprende-se ali que não devemos permitir que os inimigos da democracia cheguem ao poder, negando-nos, uma vez lá, em nome dos seus princípios, as liberdades que lhes facultamos em nome dos nossos.

A tese da absolvição serve ao propósito de pautar a imprensa com uma agenda virtuosa. O programa de governo do PT prevê, diga-se, o incentivo oficial à "mídia independente". Em lulês, significa financiar, com o dinheiro dos desdentados, a sabujice disfarçada de jornalismo. A prática já está em curso. Felizmente, a democracia é um regime legitimado pela maioria, mas sustentado pelas elites, de que a imprensa faz parte. As esquerdas se arrepiam diante dessa afirmação. Entendo.

A alternativa histórica às elites esclarecidas é o déspota esclarecido. Se, no passado, ele podia ser um homem, no presente, tem de ser um "partido", um ente de razão com poder de se sobrepor às leis, embora não dispense o demiurgo. Lula é o Tirano de Siracusa (aquele que Platão tentou converter à filosofia, coitado!) dos intelectuais petistas. A decana do delírio é a filósofa Marilena Chaui. No livro Simulacro e Poder: uma Análise da Mídia, ela afirma que o discurso da direita se sustenta no senso comum. À esquerda caberia desmontá-lo para criar uma "nova fala".

Marilena é a Tati Quebra-Barraco da academia. Seu funk filosófico apela à barbárie, mas tem o charme da resistência, a exemplo de certas canções de Chico – Lula é o "meu guri" que chegou lá. Ela ressuscita a tara do marxismo vagabundo de que o senso comum existe como falsa consciência, a ser superada pela iluminação de uma razão transformadora. Conclui-se que o povo, deixado à própria sorte, vai para a direita. Se educado pela militância, pode atravessar os umbrais da liberdade. Na China de Mao Tse-tung, 70 milhões morreram sob o efeito dessa luz.

Mas eu estou com ela. E com Shakespeare. Também acho que o povo não é de confiança. O bardo diz o que pensa no discurso de Marco Antônio diante do corpo de Júlio César, assassinado havia pouco. Leiam a peça ou vejam o filme dirigido por Joseph L. Mankiewicz – um judeu de origem alemã nascido nos EUA. Um minicoquetel de figuras retóricas transformou o tirano assassinado num herói, e o herói republicano, Brutus, num tirano. César era intuitivo, sentimental e tolerante com os de baixa estirpe; Brutus era tímido, racional e ensimesmado.
 
Açulada pelos conspiradores, a massa primeiro tripudia diante do corpo inerme; chamada por Marco Antônio à sua natureza amorosa e primitiva, adora a memória do ditador. Afinal, "quando os pobres deixavam ouvir suas vozes lastimosas, César derramava lágrimas", discursa Marco Antônio. Ocorre-me que o rechonchudo Getúlio Vargas foi o nosso César shakespeariano, e o magricela Carlos Lacerda, o nosso Cássio, o chefe dos conspiradores. Antes de seu trágico fim, César havia dito a Marco Antônio: "Quero homens gordos em torno de mim, homens de cara lustrosa e que durmam durante a noite. Ali está Cássio com o aspecto magro e esfaimado. Pensa demais. Tais homens são perigosos". O mal está no pensamento.
Se eu, Marilena e Shakespeare não confiamos no povo, onde está a diferença? O dramaturgo o trata como o vulgo instável de sempre, e Marilena quer educá-lo segundo os rigores de uma razão supostamente iluminista; ele só passará a ser uma categoria relevante quando acordar de seu sono e aderir a uma utopia finalista. Trata-se de um embuste utópico em nome do qual se institui o presente eterno na política, que passa a ser um jogo sem regras previamente definidas justamente para que qualquer conveniência possa ser considerada uma regra do jogo.
Quando, para defender o PT, um ator diz que a política pressupõe enfiar a mão na sujeira ou um músico dá um pé no traseiro da ética, ambos estão pondo em termos muito práticos o que a intelligentsia petista urdiu como teoria de poder: a superação do senso comum (de direita?), segundo o qual não se deve roubar dinheiro público. A "nova fala" do barraco de Marilena acena então com a pior de todas as tiranias: aquela exercida pelos servos.
E o "meu" povo? Ele é a fonte legitimadora das instituições democráticas e, portanto, tem de ser protegido de si mesmo se atentar contra os códigos que guardam seus direitos – e isso inclui absolver ladrões. Esse é, aliás, o aparente paradoxo das sociedades modernas, em que vigora o estado de direito: a cultura da reclamação, da permanente mobilização, da constante reivindicação de direitos resulta em grupos de pressão que querem impor a sua agenda, ainda que o preço seja o fim da universalidade das leis. A esquerda, faceira, torna-se porta-voz desse novo humanismo de tribo. O paradoxo é aparente porque uma democracia não proíbe a existência de tais movimentos, mas também não cede. E seu limite é a lei, sem as "acomodações táticas" de Márcio Thomaz Bastos.
O tucano Geraldo Alckmin diz que o povo nunca erra. Está errado. Houvesse um modo mais seguro de governar, seria o caso de aposentar a democracia. Mas não há. Basta olhar para os números das pesquisas para constatar que, pela primeira vez desde a redemocratização, há um divórcio entre a escolha dos mais pobres e menos instruídos e a dos chamados "formadores de opinião". O neo-iluminismo petista se constrói tendo em uma das mãos a miséria tornada cativa da caridade oficial – os servos senhores de servos – e, na outra, a desinformação, a ignorância. Não chega a ser uma luta de classes. É só um arranca-rabo, mas é o bastante para alimentar as ilusões redentoras de quem usa a Ética do filósofo holandês Spinoza para justificar a ética de Delúbio Soares e Paulo Betti.
Ademais, só é esse o estado geral das artes porque, vá lá, se é verdade que o senso comum é "de direita", como quer Tati Marilena, a voz dominante do establishment, hoje, foi seqüestrada pela esquerda. Esta tem projeto de poder, produz valores e ideologia; os democratas, que "eles" chamam de "direita", acreditam que basta conquistar o comando, sem fazer a guerra cultural.
Urna não é tribunal. Não absolve ninguém. E não custa lembrar: Nixon teve de renunciar ao segundo mandato por causa de uma besteira feita no primeiro. Foi eleito pelo povo. Foi deposto pelas instituições. As primeiras palavras da Constituição americana explicam tudo: "Nós, o povo...". Foi escrita para durar. Afronta, se preciso, o povo que há em nome do povo a haver. Se reeleito, Lula que se cuide. A luta continua.
ARTIGO: REINALDO AZEVEDO
 
A  Polícia Militar brasileira é um modelo anacrônico de segurança pública que favorece abordagens policiais violentas, com desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão 
PROPOSTA DE PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL QUE UNIFICA AS POLÍCIAS CIVIS E MILITARES DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL; DISPÕE SOBRE A DESMILITARIZAÇÃO DOS CORPOS DE BOMBEIROS


http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2013N42737
 
 
CONSCIÊNCIA POLÍTICA PM&BM
 

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