Considerada uma das causas da violência policial,
estrutura militar só pode ser superada com união dos governos estaduais e
federal
O dia 13
de junho de 2013 ficou marcado pela desproporcionalidade com a qual a Polícia
Militar reagiu aos cerca de 5 mil manifestantes que pediam a revogação do
aumento de 20 centavos no preço do transporte público de São Paulo. A avenida
Paulista, no centro da cidade, foi palco de cenas de violência policial que
culminaram na agressão de jornalistas, manifestantes e pessoas que passavam
pelo local. Aquele foi um ponto de virada das manifestações. Após a reação
truculenta, os protestos ganharam força e se espalharam pelo Brasil. Em São
Paulo, a polícia evitou novos conflitos, mas em cidades como Belo Horizonte,
Fortaleza, Porto Alegre e Rio de Janeiro a postura agressiva se manteve. Um
comportamento que reabriu o debate sobre a desmilitarização da polícia, cujas
ações transparecem a impressão de que o civil, seja manifestante ou suspeito de
crime, é um inimigo da sociedade.
Essa
mentalidade, sustentam estudos, provém do treinamento policial em moldes
militares típicos das Forças Armadas, que visam eliminar “invasores externos”.
Na sociedade civil, não haveria espaço para tal lógica. “A polícia não se vê
como uma entidade para defender os direitos dos manifestantes, mas os encara
como parte do problema”, afirma Maurício Santoro, assessor de direitos humanos
da Anistia Internacional no Brasil. “Os policiais frequentemente usam uma
linguagem bélica, de encarar o protesto como uma luta e o manifestante como o
outro lado”, afirma.
A militarização também estaria por trás dos elevados níveis
de violência cometidos por policiais no País. Segundo o 5º Relatório Nacional
sobre os Direitos Humanos no Brasil, do Núcleo de Estudos da Violência da USP,
entre 1993 e 2011 ao menos 22,5 mil pessoas foram mortas em confronto com as
polícias paulista e carioca. Uma média de 1.185 pessoas por ano, ou três ao
dia, um número elevado para um Estado que não utiliza execuções sumárias e pena
de morte em sua legislação.
A USP aponta ainda que o número inclui apenas os casos
registrados como “auto de resistência”, aqueles nos quais o policial alega ter
atirado em legítima defesa. Os episódios classificados como homicídio doloso e
lesão corporal seguida de morte não foram computados, indicando que o número de
civis mortos por policiais no período é ainda maior. “É a tradição brasileira
de pensar a segurança pública de forma agressiva, com pouca ênfase na prevenção
e fiscalização. É uma forma de controle da população pobre, tratando problemas
sociais como problemas de polícia”, critica Santoro.
Um indicador utilizado para calcular o uso desproporcional
da força por agentes da lei é medir a razão entre o número de mortes civis para
cada perda policial. Quando a quantidade de civis mortos é dez vezes maior que
a de policiais, há indícios de que a polícia esteja abusando do uso da força
letal. E, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, esse cenário
acontece ao menos em três Estados: Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo.
Em 2010, a Bahia registrou a morte de seis policiais (civis
e militares) em serviço contra 305 civis vitimados em confronto com a polícia
ou resistência seguida de morte – 51 vezes mais. No ano seguinte (oito
policiais e 225 civis mortos) a relação caiu para 28,1 civis assassinados para
cada policial vitimado.
Em São Paulo, o cálculo também indica uso excessivo de força
letal. Em 2010, o estado perdeu 25 policiais, enquanto matou 510 civis (20,4
vezes mais). Em 2011, a diferença caiu: 28 agentes contra 460, uma média de
16,4 civis assassinados para cada agente.
No Rio, foram 20 policiais mortos em serviço em 2010, contra
855 civis (42,7 vezes mais). No ano seguinte, foram 12 policiais contra 524
civis (uma razão de 43,6 civis por policial). “A estrutura militarizada tem um
treinamento e cultura de guerra, de combate ao inimigo. Uma policia cidadã é feita
para prender e encaminhar as pessoas ao julgamento, não para aniquilação como
fazem as Forças Armadas”, afirma Túlio Vianna, doutor em Direito do Estado e
professor da UFMG.
O que
fazer diante da situação?
Uma das soluções apontadas por analistas e organizações
civis para reduzir a violência policial é a unificação das policias Civil e
Militar em apenas uma estrutura funcional. A separação destas forças e suas
funções está, entretanto, prevista no artigo 144 da Constituição, segundo o
qual as polícias civis são responsáveis pelas funções de “polícia judiciária e
a apuração de infrações penais, exceto as militares” e as polícias militares
farão a “polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”.
Unificar
as duas polícias, acreditam analistas, aumentaria a coordenação e eficiência na
solução de crimes. Além disso, daria recursos extras para uma inteligência
integrada, devido ao corte de despesas com a manutenção de duas estruturas.
Para Luís Antônio Francisco de Souza, professor da Unesp e coordenador científico
do Observatório de Segurança Pública, adesmilitarização não significaria,
porém, extinguir a Polícia Militar. “É preciso mantê-la, mas desvinculá-la das
Forças Armadas ao retirar seu caráter militar e devolver a estrutura civil à
organização, extinguindo patentes e atual estrutura de hierarquia interna.”
A integração das polícias, defende Souza, também daria aos
secretários estaduais de Segurança o poder de definir todos os aspectos do
setor. “O comando da PM decide todo tipo de operação. Sem essa centralização,
os mais de 100 mil policiais paulistas poderiam ter mais flexibilidade em atuar
em função das necessidades locais”, diz.
Desde a
definição do papel da PM na Constituição, os casos de abuso policial se
acumulam. O massacre do Carandiru, quando a polícia invadiu o presídio paulista
durante uma rebelião e matou 111 presos, e a Chacina da Candelária, na qual
policiais assassinaram oito jovens que dormiam nas ruas do centro do Rio de
Janeiro, são dois dos exemplos mais marcantes. “A militarização gera violência
contra os policiais, criados em uma cultura de humilhação hierárquica. Logo, o
soldado transfere essa violência a alguém abaixo dele. E a população sofre com
essa cultura de violência institucionalizada”, diz Vianna, da UFMG.
A lógica de tratar o civil como inimigo atingiu inclusive os
policiais civis. Em outubro de 2009, a PM usou camburões, tropa de choque, gás
lacrimogêneo e gás de pimenta contra colegas da corporação Civil de São Paulo
que reivindicavam um aumento de salário em uma passeata próxima ao Palácio dos
Bandeirantes, sede do governo paulista.
Pressão
externa
Em meio aos inúmeros casos de truculência da PM brasileira,
o Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou em maio de 2012, por sugestão
do governo da Dinamarca, a abolição do "sistema separado de Polícia
Militar, aplicando medidas mais eficazes (...) para reduzir a incidência de
execuções extrajudiciais". O governo brasileiro respondeu alegando que não
poderia fazer a mudança por conta da questão constitucional.
Em julho
deste ano, a organização internacional Human
Rights Watch escreveu uma
carta ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), apontando o elevado
número de suspeitos mortos por policiais e cobrando que os casos fossem
investigados, devido ao “claro padrão de execução de vítimas”. Segundo a
entidade, relatos de mortes em resistência à prisão do Departamento de
Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP, da Polícia Civil) na cidade de São
Paulo em 2012, mostram que a polícia transportou 379 pessoas a hospitais após
os incidentes e 95% delas (360) morreram.
A ONG também demonstra preocupação com as operações das
Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota, da Polícia Militar). De acordo com a
carta, entre 2010 e 2012, a tropa matou 247 pessoas em incidentes de
resistência no Estado, enquanto feriu apenas 12.
Desmilitarização
Em 2009, o Ministério da Justiça realizou a 1ª Conferência
Nacional de Segurança Pública para discutir as diretrizes da política nacional
do setor. Com a participação da sociedade civil, trabalhadores da área de
segurança pública e representantes da União, Estados e municípios foi aprovada
uma proposta de desmilitarização das polícias.
A proposta pedia a transição da segurança pública para
“atividade eminentemente civil”, além da desvinculação da polícia e corpos de
bombeiros das forças armadas, a revisão de regulamentos e procedimentos
disciplinares, a criação de um código de ética único, respeitando a hierarquia,
a disciplina e os direitos humanos. E também submeter irregularidades dos
profissionais militares à justiça comum.
Para Souza, da Unesp, mesmo que o debate sobre a
desmilitarização tenha ganhado força nos últimos anos, a realidade mostra o
oposto. “Enquanto se discute o tema, a militarização retornou em ações em São
Paulo, como Pinheirinho e a Cracolândia, e nas UPPs do Rio. As Forças Armadas fazem
atribuições de polícia em missões de pacificação nos morros do Rio e o Exército
faz segurança em grandes eventos. Parece que temos uma remilitarização da
segurança publica.”
Para desmilitarizar a PM e uni-la à Polícia Civil, como
defendem especialistas em segurança pública, seria necessária uma Proposta de
Emenda à Constituição (PEC). Esse caminho é complexo e demorado. Uma PEC
precisa de aprovação em dois turnos na Câmara por, no mínimo, 308 dos 513
deputados em cada turno. Após aprovada, a medida seguiria para o Senado. Também
seriam necessárias duas votações com aprovação mínima de 60%, ou 49 dos 81
senadores.
Em uma eventual mudança constitucional, o governo federal
precisaria apoiar os estados na desmilitarização, defende Santoro, por meio de
uma cooperação com o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos. “Os estados
mais organizados conseguiriam, mas seriam poucas as unidades federativas com
dinheiro e pessoal qualificado para fazer as mudanças sozinhas”, diz.
Apenas a mudança legislativa não seria, porém, o suficiente
para diminuir a truculência policial. Seria preciso mudar o treinamento das
polícias e reforçar uma flexibilização da formação do policial – com a
diminuição dos conteúdos militares e estímulo para a realização de cursos de
especialização – algo que já vem sendo feitos em algumas polícias na última
década. “A desmilitarização trará um tratamento humanizado ao policial,
reconhecendo os direitos", diz Vianna. "Eles vão mudar a cultura e
respeitar mais a população civil em longo prazo. As novas gerações de policiais
serão treinadas em uma nova mentalidade.”
Nos países com pena de morte os meliantes pensam duas vezes antes de cometer algumas infraçoes, por isso a grande diferença no numero de mortos pelas policias brasileiras, além do mais, enquanto a educação brasileira for uma merda, a criminalidade, e tambem, a violencia contra a policia nunca ai acabar.Essa converça de colocar a culpa somente na militarização e pura bobagem, enquanto não haver uma uma mudança tanto na politica brasileira quanto na sociedade em geral, isso nunca vai mudar.
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