Ação de policiais nas
manifestações que correram o Brasil evidencia a falência
do modelo militar na área da Segurança Pública
Mas as ações da polícia
proporcionaram cenas lamentáveis em vários outros locais. No Rio de Janeiro,
por exemplo, elas não se limitaram apenas aos protestos de junho: a atuação
violenta se estendeu a protestos realizados à época da Jornada Mundial da
Juventude, quando o papa veio ao Brasil. Na prática, um tipo de ação abusiva
que é comum em muitos lugares, mas que se tornou visível para boa parte da
população que nunca havia acompanhado in loco ou mesmo por outros meios esse tipo
de ação.
“A Polícia Militar
chegou a ter um nível de aceitação muito alto entre a população do Rio de
Janeiro, em função do filme Tropa de Elite e por conta das
UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora], o que se perdeu agora. A ação policial
tem sido brutal não só com as pessoas que estão nos protestos, mas também com
todos aqueles que estão nas vizinhanças”, explica Maurício Santoro, assessor de
Direitos Humanos da Anistia Internacional Brasil. Ainda que parte da mídia
tradicional tenha retratado os abusos, a discussão sobre as raízes do problema
e como solucioná-lo não avançaram. Um grande portal da internet, por exemplo,
propunha em junho uma enquete na qual perguntava se o internauta era “a favor
da repressão policial a manifestantes”, como se direitos básicos pudessem ser
flexibilizados. Mais recentemente, um comentarista político criticava a ação da
polícia, pedindo para que pessoas que fossem a protestos com máscaras fossem
detidas de pronto.
Mas foram raros os
veículos que pautaram uma discussão que parece cada vez mais inadiável: a
desmilitarização das polícias no Brasil. Muitos especialistas e mesmo membros
da corporação em diversos estados atribuem a um tipo de cultura autoritária,
consolidada em períodos não democráticos da história brasileira, o modus
operandi que parece natural a muitos agentes e que envolve o uso da violência e
o entendimento de que “o outro”, seja ele um manifestante ou um morador da
favela, é um “inimigo”.
Ação
policial nos protestos de junho chamou a atenção da população para o debate
sobre a desmilitarização (Foto Mídia Ninja)
A
origem da militarização das polícias
Dalmo Dallari, professor
aposentado de Direito da Universidade de São Paulo (USP), também é autor do
livro O pequeno exército paulista (Editora Perspectiva, 1977),
no qual fala a respeito da história da Polícia Militar de São Paulo. “O
decreto número 1 do governo provisório, à época da proclamação da República,
dizia que as províncias passariam a se chamar estados, que eram, na verdade,
subdivisões administrativas. Entretanto, em muitas dessas províncias havia
grupos poderosos, grandes famílias e oligarquias muito ricas que queriam agir
com absoluta independência, liberdade, sem interferência do governo central.
Temendo que fosse cerceada essa liberdade, foi criado um organismo de
policiamento militar que tinha esta dubiedade: ao mesmo tempo era militar e
policial, quando, de fato, tratam-se de tarefas essencialmente diferentes”,
analisa.
Nesse cenário, em 1906
vem a São Paulo a chamada Missão Francesa, que tinha como objetivo preparar a
polícia paulista como se fosse uma tropa militar. A preocupação dos oligarcas
locais tinha reflexos evidentes nos ditames da classe política. “Havia uma
disputa pela afirmação da independência dos estados, e existe uma correspondência
de Campos Salles, que foi governador de São Paulo, para Bernardino de Campos,
seu sucessor, recomendando que houvesse uma organização armada, bem forte, que
seria um casco defensivo contra qualquer ofensa”, conta Dallari.
No artigo “Militarização
da segurança pública no Brasil: respostas recentes a um problema antigo”,
publicado na Revista do Departamento de Ciência Política da Universidade
Nacional de Medellín, o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Luís Antônio Francisco de Souza traça um histórico sobre como a polícia foi
militarizada no país e também dá detalhes de como a vinda da Missão Francesa
estimulou na Força Pública local o treinamento militar, a hierarquia, a
disciplina, os exercícios, o espírito de corpo e a organização interna. “Nesse
momento, e até o final do primeiro período republicano, começou a se formar um
verdadeiro exército paulista, com funções policiais em todo o estado,
funcionando como auxiliar das autoridades policiais civis, bem como pronto para
intervir nas situações de comoção pública, revoltas políticas, movimento
grevistas etc.”, relata.
De acordo com Souza, na
capital do estado, a Força Pública atuava no policiamento, mas também na gestão
urbana de conflitos, além de greves e mobilizações operárias. Em sua estrutura
interna, havia divisões como infantaria, cavalaria, bombeiros, companhias
motorizadas e companhia de aviação, tipificando-se uma estrutura de formação e
de ensino militarizados. Em 1907, além dos quartéis da Força Pública, foram
criadas companhias uniformizadas especializadas em policiamento urbano como a
Guarda Cívica da Capital e, em 1910, a Guarda Cívica do Interior. Em 1924, as
guardas cívicas foram transformadas em Guardas Civis, corporação que permaneceu
inalterada em sua estrutura até 1969, quando a ditadura militar extinguiu a
guarda e fundiu sua estrutura, incorporando seus homens à Força Pública. É com
base nessa fusão que surge a Polícia Militar.
“A Polícia Militar passa
a ter competência exclusiva pelo policiamento ostensivo, sendo vedada a criação
de qualquer outra polícia fardada pelos estados. A partir deste momento, de
forma explícita, a Polícia Militar será considerada efetivo de reserva do
Exército e terá subordinação direta a um general da ativa, posto que o posto
máximo da hierarquia da PM será de coronel, posição que dá aos policiais o
direito de assumir comandos, inclusive o comando-geral da força”, explica
Souza. “Com a criação da Polícia Militar, as diferenças entre o policiamento
fardado e civil se acirram e o isolamento dos policiais se acentua, já que a
doutrina de segurança nacional, um dos pilares institucionais do militarismo
brasileiro, preconizará o distanciamento entre cidadania e segurança pública,
com restrições importantes entre o contato da ‘família policial militar’ e
sociedade mais ampla”, destaca. É nesse período também que são criadas
organizações que servirão de linha auxiliar na repressão política do período
(mas que atuam até hoje) como a Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar (Rota) e o
Batalhão de Choque.
“Sempre existiu a
convivência das Policias Militares e Civil. O que aconteceu foi que, na
ditadura militar brasileira, essa Polícia Militar acabou sendo expandida e a
Polícia Civil acabou sendo esvaziada”, sustenta o professor de Direito Penal da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Túlio Vianna. “A Polícia Civil, que
antes também fazia o policiamento ostensivo, perdeu essa característica. Quer
dizer, a ditadura tirou essa função e a colocou somente para investigar. E a
Polícia Militar, que até então era mais aquartelada, não era polícia de rua,
saiu do quartel e foi fazer o policiamento ostensivo tal como temos hoje.”
Com a instituição da Assembléia
Nacional Constituinte em 1988, surgiu a possibilidade de se alterar uma
estrutura policial moldada durante o regime militar, dentre tantas outras
mudanças debatidas para se fazer a transição democrática no País. Júlia Leite
Valente, em artigo publicado na Revista do Laboratório de Estudos da Violência
da Unesp, remonta o clima em que se deram os debates naquele período. “No
contexto da Assembléia Nacional Constituinte, intensificou-se a discussão sobre
as Polícias Militares, tendo em vista que sua ligação com o poder no período
anterior inviabilizaria sua permanência numa sociedade democrática. Paralela ao
debate sobre organização policial, estava a discussão mais ampla sobre
segurança pública, que opunha militantes de direitos humanos e grupos
conservadores. Aqueles criticavam severamente as instituições herdadas do
regime autoritário, em particular a polícia. Estes, contrários aos movimentos
de luta por direitos e com forte apoio midiático, trataram de reacender o
autoritarismo existente na sociedade, mobilizando sentimentos coletivos de
insegurança e atraindo a seu favor opiniões favoráveis a uma intervenção autoritária
na ordem pública.”
À época, como lembra
Júlia, o tema da violência passou a ter grande relevância, pois a transição
coincidiu com um momento de intensificação da criminalidade, que já havia
aumentado nos anos 1970, mas que, no início da abertura política, acelerou
ainda mais. A taxa de homicídios, de 11,68 por cem mil habitantes em 1980,
passou a 22,20 por cem mil em 1990. “Predominava o pensamento de que era
necessário intensificar a repressão e a opinião pública se mostrou altamente
favorável ao emprego de métodos violentos pela polícia, a instauração da pena
de morte ou ao recurso a métodos de justiça ilegal”, salienta.
Não que não tenha havido
qualquer avanço nessa área. O reconhecimento da segurança pública como um
direito social apontava para uma mudança de modelo, e foi retirado do Exército
o controle direto das Polícias Militares, transferindo-o aos governos
estaduais. Mas a militarização policial se manteve. “Quando o Brasil
redemocratizou, as Forças Armadas ainda tinham um poder político muito grande.
Não foi uma redemocratização propriamente de baixo para cima, pelo povo. Foram
eles que fizeram a abertura. Estavam com a faca e o queijo na mão ainda”,
aponta Túlio Vianna. “Uma das coisas que foi certamente uma imposição deles foi
a estrutura policial ser mantida com o modelo no qual a Polícia Militar é
dominante. Em número de policiais, existem muito mais militares que civis. Com
um detalhe: a Constituição diz que a PM é força auxiliar do Exército. A nossa
PM, de certa forma, tem uma subordinação, ainda que não seja direta, ao
Exército. O que implica evidentemente força política para os militares das
Forças Armadas.”
Em protesto,
manifestantes pedem desmilitarização (Foto Mídia Ninja)
Cultura
militar e desinformação da sociedade
Os efeitos de uma
polícia militarizada para a sociedade são inúmeros. A inadequação de uma
corporação formada para combater inimigos reflete no tratamento dado aos
cidadãos em geral. “Essa cultura do treinamento militar fica clara no filme
Tropa de Elite, em que você tem um treinamento extremamente violento e
agressivo com os recrutas. Essa agressividade vai ser transposta, em última
análise, para o suspeito”, avalia Túlio Vianna. “Existe uma hierarquia: o
tenente abusa do poder dele em relação ao sargento; o sargento, com o cabo, e o
cabo com o soldado. Na hora que o soldado pega um suspeito civil, que na cabeça
dele é um bandido, vai transferir todo aquele abuso que recebeu do
superior hierárquico. Na hierarquia militar, não é o soldado que é a base da
hierarquia, é o civil e, principalmente, o que é suspeito da prática de
crimes.“
Para Vianna, parte da
sociedade ainda não atentou para a importância de se discutir o tema da
desmilitarização por falta de informação. “Quem fala que a desmilitarização é
tirar a farda ou desarmar a polícia não faz ideia do que seja isso. Só para dar
um exemplo, as polícias dos EUA e da Inglaterra são 100% civis. Ninguém em sã
consciência pode dizer que a polícia norte-americana é desarmada ou pouco
treinada, ou, ainda, não uniformizada”, pontua. “É uma questão de unificação
das atividades policiais em uma única corporação, formando o que chamamos de
ciclo completo, quando ela faz tanto o policiamento ostensivo quanto o
investigativo. E visa também a acabar com o Código Penal Militar aplicado aos
policiais. A desmilitarização tem muito mais relação com a cultura
institucional do que propriamente com o tipo de armamento e a uniformização.
Isso não vai mudar, assim como nos EUA e na Inglaterra existem policiais que
usam farda e armamento durante as suas atividades. Isso é bem claro em qualquer
país no mundo onde a polícia seja 100% civil. O que, aliás, é a regra.”
Já Maurício Santoro
utiliza o exemplo da Turquia para mostrar a dificuldade que países com um
passado recente de autoritarismo têm para lidar com manifestações. “No mês
passado, estive na Turquia e acompanhei alguns protestos. Lá, houve uma
repressão muito forte, em torno de 7 mil pessoas ficaram feridas e, por parte
da autoridades, houve um processo de criminalização, já que as manifestações
não foram vistas como parte legítima do jogo político. Houve violência, prisões
arbitrárias, e o primeiro-ministro estuda propor uma lei específica para as
redes sociais. Com a história de autoritarismo e violação de direitos humanos
nas ditaduras que eles tiveram – a última acabou quase simultaneamente à nossa
–, parte dos políticos atuais tem uma trajetória de violação de direitos
humanos, tanto nas ditaduras como na repressão às minorias turcas. Existe um
legado autoritário”, informa. Os instrumentos repressivos utilizados pelos
turcos também se assemelham bastante aos usados por aqui. “É uma polícia
militar que em diversas ocasiões utiliza os mesmos equipamentos da nossa,
existem caveirões, por exemplo, e o gás lacrimogêneo usado na repressão é fabricado
no Brasil.”
Se a classe média, por
conta das manifestações em regiões centrais, tem tido contato maior com a
atuação abusiva de agentes do Estado, em locais periféricos tais ações são
rotineiras. Um dos episódios mais recentes e chocantes aconteceu no Rio de
Janeiro, em 24 de junho, por conta de uma incursão da polícia no Complexo da
Maré, após um policial do Batalhão de Operações Especiais (Bope) ter sido
baleado e morto em um tiroteio. Em uma ação com características de vingança,
nove pessoas foram mortas, o que causou revolta na comunidade.
“A formação desses
policiais é de enfrentamento, a ação deles é como se um batalhão estivesse indo
para o front de uma guerra. O morador de favela é um inimigo, mesmo nas
comunidades tidas como ‘pacificadas’, as UPPs não mudaram essa relação”,
sustenta Patrícia de Oliveira, fundadora da Rede de Comunidades e Movimentos
Contra a Violência e irmã de Wagner dos Santos, único sobrevivente e testemunha
da Chacina da Candelária, que completou 20 anos em 2013. Para ela,
desmilitarizar a polícia seria um passo importante para alterar esse cenário no
qual moradores de comunidades mais pobres se tornam alvos rotineiros de abusos
e violações de direitos. “Desde 1990, pedimos a desmilitarização no Rio de
Janeiro, porque somos vítimas constantes da atuação de uma polícia que ainda
atua como na ditadura militar. Este ano, com as grandes manifestações que
aconteceram, essa reivindicação começou a ganhar mais força, com a atuação das
PMs contra os manifestantes”, conta. “Antes, era só favelado que tinha de
enfrentar a polícia dessa forma. Mas favelado podia apanhar, agora; com parte
da elite apanhando na rua, fica mais fácil discutir a forma como atuam os
policiais.”
Eliana Sousa Silva, que
faz parte da ONG Redes da Maré, presenciou a morte de uma criança de 3 anos por
uma bala perdida, decorrência de uma operação policial no local em outubro de
2006. O episódio foi o ponto de partida para que ela estudasse como a
comunidade local via a polícia e vice-versa, o que resultou no livro
Testemunhos da Maré (ver entrevista na pág. 12). Eliana, que também fez parte
do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp) representando o Rio de
Janeiro e as favelas, vê algumas mudanças na relação da polícia com princípios
militares como, por exemplo, o fato de, até pouco tempo, não haver comando da
PM que não fosse quadro do Exército. Porém, faz a ressalva de que, do ponto de
vista da estrutura, isso não significou mudanças efetivas nas práticas da
corporação.
“Não se modificou o
estatuto que rege o seu funcionamento. O que acontece é que vai havendo mais
pessoas que comandam dentro de uma lógica que, apesar de ser da PM, é mais
aberta. Acho que esse debate [da desmilitarização] é importante porque tem a
ver com a formação. Quando se tem uma formação em que o foco é a militarização
para enfrentar a violência e todo esse contexto de crimes, é óbvio que vai
deixar de se considerar outros elementos que poderiam ser parte desse
enfrentamento, não apenas o enfrentamento bélico. Você deixa de trazer outras
questões e, com isso, acaba caracterizando a polícia apenas de um jeito”,
acredita. “Na missão da PM está prevista a prevenção do crime, só que a gente
não vê a polícia agindo na prevenção, mas enfrentando situações muitas vezes de
forma violenta, como a gente teve na Maré, situações que mereceriam abordagem e
conduta completamente diferentes do profissional de segurança. Essa resposta
também tem a ver com a lógica militar que rege essa polícia.”
“Na
hierarquia militar, não é o soldado que é a base da hierarquia, é o civil e,
principalmente, o que é suspeito da prática de crimes“, diz Túlio Vianna (Foto
Mídia Ninja)
Uma
bandeira ampla
“Para nós, a
desmilitarização é uma reivindicação que tinha que ter vindo junto com o fim
dos registros de ‘resistência seguida de morte’, já está atrasada. Nossa
polícia não nos oferece segurança, mas sim insegurança, eles matam nossos
filhos descaradamente. Essa instituição carrega os legados e ideologias da
época da escravidão, são os mesmos coronéis que caçavam escravos”, acusa Débora
Maria da Silva, fundadora e uma das coordenadoras do movimento Mães de Maio,
surgido em conseqüência do massacre ocorrido em São Paulo entre os dias 12 e 20
de maio de 2006, que vitimou 493 pessoas e cuja maior responsabilidade recai
sobre grupos de extermínio que contariam com a participação de agentes do
Estado. “A PM viola os direitos humanos dos praças, que são explorados dentro
da corporação, então imagina o que eles não fazem nas ruas. Fazem mal aos
pobres, negros e jovens das periferias, é uma polícia treinada para matar, e o
inimigo, declarado nas aulas práticas deles, nos bancos onde os policiais são
treinados, são os negros e periféricos. Eles matam com a certeza da
impunidade”, desabafa.
Quando Débora se refere
aos praças, toca em um ponto que nem sempre é abordado quando se discute a
desmilitarização. Boa parte dos integrantes das PMs no Brasil se posiciona a
favor de mudanças no modelo das polícias, como mostra a pesquisa “O que pensam
os profissionais da segurança pública, no Brasil”, realizada pelo Ministério da
Justiça e coordenada por Luiz Eduardo Soares, Marcos Rolim e Silvia Ramos.
Envolvendo a aplicação de 65 mil questionários, o levantamento mostra opiniões
distintas de acordo com a posição que o profissional ocupa na corporação. Dos
policiais militares que não são oficiais, como soldados, cabos, sargentos e
subtenentes, 42,1% preferem que a polícia seja unificada, e que seja civil,
enquanto 18,8% dos não oficiais também são favoráveis à unificação, mas com a
nova polícia unificada sendo militar. Entre os oficiais, são apenas 15,8% os
que se identificam com a proposta de unificação das polícias, com a nova
corporação se tornando civil.
“No meio policial, nós
temos os praças, que são favoráveis à desmilitarização, e os oficiais, que
normalmente são contrários. Só que, pelo militarismo, os praças acabam ficando
interditados na sua manifestação de expressão”, observa Túlio Vianna. “O
militarismo impõe uma série de restrições, e eles não têm como expressar em
público, de uma forma mais ativa e contundente, o desejo deles. Então, quem
quer a desmilitarização, que são os praças, não pode se manifestar e o grande
público não sabe exatamente o que é isso e por que isso é importante.”
O depoimento de
Heronides Mangabeira, cabo da Polícia Militar do Rio Grande do Norte ,
evidencia os pontos abordados por Vianna. “A pessoa entra na polícia e deixa de
lado vários direitos e garantias que tinha porque ela passa a ser, a partir de
então, militar”, diz Mangabeira, que também é acadêmico de Direito e
pesquisador da área de Segurança Pública. “Por conta disso, somos cerceados de
vários direitos como liberdade de pensamento, de expressão e até mesmo de
locomoção. Por exemplo, se eu for me dirigir até São Paulo, tenho de pedir ao
meu comandante que me libere e, mesmo assim, eu tenho de pegar um documento de
deslocamento, para quando chegar em São Paulo procurar uma unidade da Polícia
Militar, assinar e comprovar que realmente estive aí”, argumenta.
Mangabeira também afirma que o policial não conta, na sua condição de militar, com outros direitos trabalhistas que afetariam o desempenho profissional e a própria atuação dos agentes. “O militar também sofre por não ter jornada de trabalho digna, por não ter horas extras, adicional de insalubridade, adicional noturno… Coisas que todos os trabalhadores têm e o próprio policial civil ou o rodoviário federal, que trabalham de forma similar ao PM, um serviço preventivo e ostensivo, têm”, compara. “Isso reflete na rua, na sociedade, no serviço de prestação de segurança pública, já que o policial sofre de depressão, estresse…”
Mangabeira também afirma que o policial não conta, na sua condição de militar, com outros direitos trabalhistas que afetariam o desempenho profissional e a própria atuação dos agentes. “O militar também sofre por não ter jornada de trabalho digna, por não ter horas extras, adicional de insalubridade, adicional noturno… Coisas que todos os trabalhadores têm e o próprio policial civil ou o rodoviário federal, que trabalham de forma similar ao PM, um serviço preventivo e ostensivo, têm”, compara. “Isso reflete na rua, na sociedade, no serviço de prestação de segurança pública, já que o policial sofre de depressão, estresse…”
Ele também acha
inadequada a formação dada aos PMs hoje, algo que dificulta a interação dos
agentes com a sociedade. “A formação militar é bastante rígida e o policial vai
para a rua com aquela cultura, tratando a sociedade às vezes de forma
igualmente dura”, aponta. Túlio Vianna também acredita que o modelo policial
hoje prejudica muito os não oficiais, que acabam ficando à mercê de um
estrutura pouco flexível e autoritária. “O modelo de militarização trabalha
para tornar o policial, ou o militar, um objeto na mão do seu comandante. De
forma tal que, se você tiver uma guerra, vai precisar daquele indivíduo
trabalhando 24 horas por dia para o Exército. Para repelir a ameaça do inimigo,
tem de ter uma obediência muito grande, são situações extremas onde a morte é
muito eminente. Então, o militarismo foca em uma dessubjetivação do militar. É
a obediência máxima”, argumenta. “A polícia não pode ser assim, é um trabalho como
outro qualquer. O sujeito volta para a casa depois do expediente, tem sua vida
normal dentro do país dele. Nós não podemos transportar o ponto de vista
militar e sua hierarquia para dentro da polícia.”
Outra questão que deve
ser tocada em relação à desmilitarização é o papel desempenhado pela Justiça
Militar, à qual cabe processar e julgar policiais militares em crimes militares
tipificados em lei. Embora em crimes não militares, como os dolosos contra a
vida, por exemplo, o agente possa ser julgado na Justiça comum, o papel
desempenhado por esse ramo militar tem, de acordo com Vianna, ignorado fatos
relevantes e focado mais em questões relativas à manutenção da hierarquia,
penalizando quem está na base.
“Claro que se você perguntar a um PM se ele acha que a Justiça Militar é rigorosa, vai falar que sim e argumentar que os números de condenação são muito grandes. Porém o número de oficiais condenados é muito pequeno. Mas é rigorosa com os praças, e não necessariamente por crimes de corrupção por exemplo, às vezes por questões bobas como o sujeito não estar uniformizado ou ter xingado o oficial”, aponta Vianna, que também atenta para uma espécie de mistificação em torno de hierarquias e regramentos inflexíveis, como se a rigidez fosse um fator impeditivo de desvios de conduta ou corrupção. “Hierarquia não acaba e nem diminui corrupção. Na verdade, muitas vezes ela concentra a corrupção em oficiais. Esse argumento é muito ingênuo, se a hierarquia militar resolvesse o problema da corrupção, nossa polícia seria a polícia da Suíça.”
“Claro que se você perguntar a um PM se ele acha que a Justiça Militar é rigorosa, vai falar que sim e argumentar que os números de condenação são muito grandes. Porém o número de oficiais condenados é muito pequeno. Mas é rigorosa com os praças, e não necessariamente por crimes de corrupção por exemplo, às vezes por questões bobas como o sujeito não estar uniformizado ou ter xingado o oficial”, aponta Vianna, que também atenta para uma espécie de mistificação em torno de hierarquias e regramentos inflexíveis, como se a rigidez fosse um fator impeditivo de desvios de conduta ou corrupção. “Hierarquia não acaba e nem diminui corrupção. Na verdade, muitas vezes ela concentra a corrupção em oficiais. Esse argumento é muito ingênuo, se a hierarquia militar resolvesse o problema da corrupção, nossa polícia seria a polícia da Suíça.”
Propostas
em andamento
Mesmo depois da
promulgação da Constituição de 1988, a ideia da desmilitarização permaneceu
como pauta e voltou à tona em alguns momentos. Em 1997, o secretário da
Segurança Pública de São Paulo José Afonso da Silva defendia um projeto de
emenda constitucional (PEC), de sua autoria, que unificava as polícias. À
época, declarou ao jornal Folha de S. Paulo que a Constituição
havia institucionalizado uma duplicidade policial “que não funciona, em razão
do desentrosamento entre os dois organismos policiais”. O projeto de Silva, que
era também defendido pelo então governador Mário Covas, mantinha a PM, mas com
atribuições e efetivo menores.
Hoje, tramitam no
Congresso Nacional duas propostas de emenda constitucional que tratam da
desmilitarização da polícia e, pelos seus autores, é possível perceber que essa
é uma questão que vai além da esfera de movimentos sociais e partidos de
esquerda. A PEC 430, de autoria do então deputado federal Celso Russomanno, de 2009,
está em tramitação na Câmara dos Deputados e tem como objetivo unificar as
Polícias Civil e Militar em todos os estados e no Distrito Federal e
desmilitarizar o Corpo de Bombeiros. Já a PEC 102, de 2011, do senador Blairo
Maggi (PR/MT), pretende autorizar os estados a poderem desmilitarizar a PM,
unificando suas polícias.
“O modelo como está, com
duas polícias, cada uma fazendo metade do serviço e com a rivalidade e a
competição entre militares e civis, é muito ruim. Esse novo modelo que proponho
vai conservar a hierarquia e a disciplina, mas não precisa ser militarizada,
esse papo está ultrapassado. Precisamos de uma polícia cidadã e próxima, que
previna, isso sim é importante, a sociedade está desassistida, esse modelo que
aí está não é o melhor”, diz Blairo Maggi. “Essa discussão não pode mais ser
adiada, ela precisa ser colocada na pauta urgente. Os índices de morte em
conflito com polícia são alarmantes, precisamos pensar um novo modelo, para
avançar nas políticas de segurança pública no País.” De acordo com Maggi, a
proposta deve entrar em votação no Senado ainda no segundo semestre de 2013.
O jurista Dalmo Dallari
acredita que, para se efetivar a desmilitarização, não haveria como pressuposto
básico a unificação das duas polícias. “Não vejo necessidade da unificação. São
organizações que poderão ter atribuições diferentes, cada uma com a sua
organização, sua própria hierarquia, mas ambas definidas, reconhecidas e
tratadas como organizações civis, não militares.” F
A
farsa dos autos de resistência seguida de morte
Em São Paulo, policiais
em serviço foram responsáveis pela morte de 5.591 pessoas entre 2001 e 2011,
uma média de 508 por ano. Os números são do Núcleo de Estudos de Violência da
Universidade de São Paulo (NEV-USP), no 5º Relatório Nacional sobre os Direitos
Humanos no Brasil.
Em 29 de julho, uma das
mais importantes organizações de direitos humanos no mundo, a Human Rights
Watch (HRW), encaminhou ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), um
relatório denunciando as “execuções extrajudiciais” cometidas por policiais
militares no estado. No documento, a entidade explicita sua preocupação “em
relação aos obstáculos existentes para a responsabilização de policiais que
cometem execuções extrajudiciais no estado de São Paulo” e diz existir um
“acobertamento policial” dessas mortes. A entidade analisou 22 casos de “autos
de resistência seguida de morte” como referência para análise. Destes, em 20
“as provas estudadas sugerem que policiais removeram as vítimas da cena do
crime e as levaram alegadamente para socorrê-las. Nenhuma dessas vítimas
sobreviveu.” Conforme dados do Departamento de Homicídios e de Proteção à
Pessoa de São Paulo (DHPP), das 379 pessoas removidas, 360 morreram.
Mais duas formas de
acobertar os assassinatos, segundo a HRW, são práticas já denunciadas por
movimentos sociais. Introduzir armas nas cenas dos crimes, tentando fazer crer
que a vítima estava armada e o confronto foi inevitável; e despir os corpos, a
fim de evitar provas periciais. Notou-se que, “em 11 casos, as roupas das
vítimas haviam sido removidas e descartadas antes de seus corpos serem levados
ao Instituto Médico Legal (IML) para análise.”
Por Felipe Rousselet, Glauco Faria e Igor Carvalho
CONSCIÊNCIA POLÍTICA PM&BM
Artigo perfeito, amplo e destacando todos os pontos de uma ideia que já deveria ter sido aplicada há muito tempo, espero que a desmilitarização aconteça logo, irá trazer benefícios a todos, repito todos, do próprio organismo policia até o cidadão,,passando por uma sociedade melhor e mais segura.
ResponderExcluirA verdade pura é que o sistema policial de hoje, a nível oficialato, não passa de um mero grupamento político-partidário e fisiológico, defendendo suas próprias causas, alegando razão de si para si mesmos. O resto, não passa de pião, no melhor sentido da palavra, devolvem para a sociedade aquilo que engolem no dia-a-dia, simples. Ah, claro, por uma polícia 100% CI-DA-DÃ ! ! ! Mudança já !
ResponderExcluirEssa droga não vai ser desmilitarizada nunca! Hoje eu tenho a mais absoluta certeza disso. Discute-se muito, e há muito tempo, e nada, pois o próprio policial não está interessado neste assunto.
ResponderExcluirBoa discussão! Mas o tema se perdeu focalizando na atuação cotidiana da polícia contra o crime. Deixou de lado então o ponto mais grave que é o uso da polícia contra a população que apenas reivindica junto ao poder público o que lhe é devido. Isso foi o que se viu nas ruas do Brasil recentemente. O governo usa a viseira e as rédeas (hierarquia rígida e treinamento militarizado – direita, esquerda, direita...) para
ResponderExcluirinstigar os praças contra o povo, enquanto os oficiais se aproveitam da situação para exigir alguma vantagem política do fato.
Olá oferecemos empréstimo, International Finance Project, Banco Garantia e SBLC para indivíduos e empresas em todo o mundo. Nossa taxa de juros é de 3% ao ano.
ResponderExcluirNós também patrocinar e financiar todos os tipos de projetos, local e internacionalmente. Então, se você tem qualquer bom projeto e você precisa de um investidor basta informar-nos imediatamente para que possamos discutir, assinam acordo e, em seguida, patrocinar ou financiar o projeto para você.
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Cumprimentos,
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ResponderExcluirNós também patrocinar e financiar todos os tipos de projetos, local e internacionalmente. Então, se você tem qualquer bom projeto e você precisa de um investidor basta informar-nos imediatamente para que possamos discutir, assinam acordo e, em seguida, patrocinar ou financiar o projeto para você.
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Cumprimentos,
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Olá,
ResponderExcluirEu sou a Senhora Celine está em busca de um empréstimo por mais de 3 meses,
Eu tenho sido muitas vezes enganado em sites de empréstimo entre particular
querer é um empréstimo entre indivíduo em várias pessoas.
Mas cada vez que eu tenho por falsos credores e
no final eu não ganho nada na minha conta. Mas, felizmente, eu sou
caído em uma senhora de nome LYSE realmente simples e tipo eu ajudar
encontrar o meu empréstimo de 70.000€ que eu recebi na minha conta de 48 horas
depois, sem muitos protocolos.
Para você que está em necessidade como eu, você pode escrever para ele e
lysemarie3@gmail.com