sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Ninguém merece!



Humoristas, cantores, socialites, dançarinas de funk e jogadores de futebol estão entre os 1.166 candidatos a vereador em São Paulo. Por que eles querem entrar na política e o que a atual campanha nos diz sobre a credibilidade da Câmara Municipal.



 “Esquisito por esquisito, vote no Marquito.” Com essas palavras, o humorista Marco Antonio Ricciardelli conseguiu sintetizar num slogan a dimensão exata do que se tornou a disputa pelo legislativo paulistano. Pelo menos para uma parte dos candidatos e dos eleitores. Assistente de palco do Ratinho, Marquito deixou o programa para ser candidato a vereador pelo PTB, partido a que se filiou no ano passado, a convite de um amigo em comum com o deputado federal Campos Machado, presidente da sigla. Desde o início da campanha eleitoral, em agosto, Marquito tem encarnado diferentes personagens na TV. Numa cena, vestiu-se de idoso, com óculos e cachecol, e virou os bolsos da calça para fora, numa alusão ao valor irrisório das aposentadorias – como se mudar o cálculo das pensões fosse atribuição da vereança. Noutra ocasião, virou motoboy e enfaixou os dois braços para protestar contra a escalada de acidentes no trânsito. Todas as vezes, o bordão é o mesmo. “Assim não dá!”, ele diz, antes de proferir seu slogan e o número a digitar na urna. Fora do estúdio, Marquito tem levado suas esquisitices para diferentes bairros, quase sempre com uma gravata borboleta e um paletó verde brilhante.



Os abraços que Marquito recebe por onde passa podem não ser transformados em votos no próximo dia 7, mas revelam o carisma de um franco-atirador capaz de esculhambar a Câmara e a si mesmo como se não tivesse nada a perder. E ele não tem, de fato. Há dois anos, um palhaço seguiu um script semelhante e se tornou o deputado federal mais votado do Estado. Foram tantos votos que ele, sozinho, carregou três colegas de legenda à Câmara Federal. Hoje, Tiririca é reconhecido como um dos políticos mais atuantes no Congresso. Até setembro, comparecera a 100% das sessões destinadas a votação desde o início da legislatura – logo ele que, durante a campanha, dizia não saber o que faz um deputado.
A irreverência dos programas eleitorais gravados por Tiririca em 2010 surtiu efeito em 2012. São muitos os candidatos que, de diferentes maneiras, repetem o tom anárquico da campanha de Tiririca, na esperança de obter o mesmo resultado nas urnas. Alguns estampam a bizarrice desde o nome registrado no Tribunal Superior Eleitoral. A lista inclui Seu Madruga, Phumaça, Abajur, Mineiro Gente da Gente, Clara Essa É Batata, Denival Esse É o Cara e Valdecir Cabra Bom, entre outros. Um deles, cujo nome verdadeiro é Armindo Albino Munhoz, virou Professor Munhoz para disputar uma vaga de deputado federal em 2010. Teve 849 votos, ou 0,01% do eleitorado. Agora, voltou com outra pegada: nas urnas, seu nome é O Homem da Moto. Será que os motociclistas o deixarão na mão desta vez?




Mudar de nome para atualizar um produto é uma estratégia arriscada até para empresas que precisam inovar em mercados muito competitivos. Às vezes, a troca se mostra equivocada. O chocolate Lollo era líder de vendas quando a matriz suíça obrigou a filial brasileira a trocar o nome para Milkybar, em 1992. Foi preciso esperar 20 anos para que a Nestlé optasse por recuperar o nome antigo e trouxesse as velhas embalagens de volta às prateleiras em setembro de 2012. Outras vezes, é o produto em si, e não apenas o nome ou a embalagem, que fica obsoleto. O mesmo vale na política. É compreensível que o eleitor cansado de ver sempre os mesmos nomes e as mesmas promessas simpatize com os que estão estreando nas urnas.
O vale-tudo pela conquista de votos, é claro, não se limita à bizarrice. A simpatia do eleitor pode se voltar para o representante de turma, que carrega a categoria profissional no nome, o bairrista, que concentra sua campanha na região onde mora, ou o herdeiro, que pega carona na fama de algum parente com tradição na política para emplacar como seu continuador (esses e outros perfis estão nos quadros e nas fotos de candidatos fictícios distribuídos ao longo desta reportagem). Seja por falta de alternativa ou por não perceber as diferenças entre as muitas opções disponíveis, fica mais difícil escolher.



“Não há distinção entre eleitores e consumidores”, disse, certa vez, o publicitário Duda Mendonça. “O que existe é o povo.” Réu no processo do mensalão, o também marqueteiro baiano entende das três coisas: eleitores, consumidores e povo. Entre acarajés e rinhas de galo, elegeu, em diferentes momentos, Maluf e Lula – dois políticos que pareciam eternos adversários até se tornarem aliados. Em 2012, Maluf e Lula apoiam o mesmo candidato à prefeitura de São Paulo (o petista Fernando Haddad); Duda Mendonça foge dos holofotes; e o povo… Bem, o povo continua fazendo suas escolhas.
Entender como ele escolhe é um tema central nas reuniões de planejamento de campanha e nas aulas de política dos cursos de ciências sociais. Entre os conceitos formulados há décadas e já largamente esmiuçados estão o voto ideológico, pautado pelas propostas e pela posição do candidato no diagrama direita-esquerda, e o voto útil, quando o eleitor opta pelo “menos pior” para evitar que o pior seja eleito. Recentemente, duas novas categorias entraram no debate: o voto de consumo e o voto entretenimento. De um lado está a decisão alinhada a desejos de consumidor, nem sempre racionais, como se um candidato pudesse ser selecionado conforme os mesmos critérios que levam um cidadão a escolher um eletrodoméstico: eficiência, custo-benefício, facilidade de pagamento ou simplesmente pelo design. De outro lado, o adepto do voto entretenimento dá preferência ao candidato que o diverte mais. Os dois tipos estão por toda parte. “A Mulher Pera segue a lógica do consumo”, diz o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia política na USP. “É uma mulher gostosa, atraente, que o eleitor quer consumir, ao menos no plano da fantasia. No exemplo do Marquito, é mais presente a percepção de que a eleição virou entretenimento. A campanha nos faz rir. E, como deixou de ser algo sério para uma parcela da população, esses candidatos prosperam.”



Mulher Pera é o codinome artístico (e também eleitoral) de Suelem Aline Mendes da Silva, funkeira de Guaratinguetá radicada em São Paulo há seis anos. “Já que eu sou uma mulher-fruta, posso usar meu corpo na campanha”, diz. A loira escultural chegou a divulgar nas redes sociais uma fotografia do próprio bumbum com o número da candidatura rabiscado nele. Dias depois, fez uma pausa na campanha para se promover em outra eleição: a candidata mais bonita do Brasil, lançada por um site. “Peço voto usando meus atributos, porque é assim que sou conhecida. Se eleita for, não usarei esses mesmos atributos na Câmara”, afirma em seu site.
Para Janine, há pouca diferença entre eleger um candidato “esquisito” e votar no rinoceronte Cacareco (leia entrevista na pág. 94). Cacareco era uma das atrações do zoológico de São Paulo em 1959, quando recebeu cerca de 100 mil votos para a Câmara Municipal, mais do que o primeiro colocado entre os candidatos reais – isso numa época em que os nomes eram assinalados em cédulas de papel. Hoje, as personalidades escrachadas acabam atraindo parte desse eleitorado, ampliando as chances de vitória. Mas não apenas. “Além do voto de protesto e do voto de gozação, eles recebem os votos de pessoas simples, que se identificam mais com eles do que com os candidatos ditos sérios”, afirma o cientista político Fernando Abrucio, professor da Fundação Getulio Vargas e colunista de ÉPOCA. “Os partidos e os candidatos tradicionais não estão sabendo chegar à população, coisa que os artistas populares fazem bem. Algumas legendas se aproveitam disso.”
Abrucio considera positivo que qualquer cidadão possa concorrer a um cargo eletivo. A alternativa, segundo ele, seria impor limites à democracia, cerceando a participação nas eleições. “Não se pode ter preconceito democrático”, diz ele. “Quem precisa rever a postura não são os candidatos estranhos, mas os partidos oportunistas, que se aproveitam deles para ampliar o total de votos, sem nenhuma preocupação com ideologia ou programa de governo.”



A conta é simples: vale investir em figuras que sejam conhecidas da população e tenham um séquito de fãs, mesmo que pequeno, uma vez que todos os votos obtidos pelo partido se somam na hora de definir a quantidade de vagas a que ele terá direito. Por protesto, gozação, empatia ou convicção, famosos (ou quase famosos) como Pereio, Angela Maria, Kiko do KLB, Serginho do BBB, Marcelinho Carioca, Dinei e Ana Paula Junqueira têm sua serventia – e, preconceito à parte, revelam alguma razão ao apresentar seus motivos. Marquito quer criar estacionamentos municipais, aumentar a lista de remédios gratuitos e liberar a atividade dos ambulantes mediante o pagamento de pequenas taxas. A Mulher Pera promete acesso grátis à internet nas escolas e maior rigor na aplicação da Lei Maria da Penha. Ana Paula Junqueira, socialite com presença assídua em revistas de celebridades, defende a promoção social por meio da economia criativa e promete apresentar projetos de leis que instituam incentivos fiscais para empresas que se fixarem na periferia. “Uma maneira, inclusive, de melhorar o trânsito aqui no Centro”, diz ela, em sua quarta tentativa de ganhar uma eleição (a mais recente foi em 2010, para deputada federal).
É impossível afirmar se algum desses postulantes será eleito no dia 7. Num universo de 1.166 candidatos em disputa até o momento – as candidaturas de outros 61 foram indeferidas pelo Supremo Tribunal Federal entre o início da campanha e o fechamento desta edição – nem os maiores institutos de pesquisa se dispuseram a realizar enquetes e divulgar as prévias de intenção de votos para o poder legislativo. Ainda assim, basta a proliferação de candidaturas bizarras para que se percebam duas coisas: o desconhecimento em relação ao papel dos vereadores e o quase absoluto descrédito em relação ao que é produzido no Palácio Anchieta, sede do legislativo. Com exceção dos 51 vereadores que tentam permanecer em seus gabinetes, os demais 1.115 candidatos costumam bater na tecla da renovação, não apenas por interesse próprio, mas porque sabem que essa ideia encontra eco na maioria do eleitorado. “Os debates se sucedem e nem sempre as teses são aprovadas. Repetem-se conceitos e reclamações, como se a Câmara fosse um imenso e monótono realejo”, diz a “herdeira” Lívia Fidelix, numa feliz analogia que poderia estar num discurso do pai, Levy Fidelix, candidato a prefeito.



A renovação na Câmara tem sido de aproximadamente 50% a cada legislatura. Segundo Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da ONG Transparência Brasil, não deve ser diferente neste ano. O que pode piorar, mantido o ritmo atual, é a relevância da casa. “A Câmara se tornou totalmente inútil”, diz ele. “Tanto faz o nome de quem for eleito, porque os vereadores, quaisquer que sejam, não cumprem suas principais funções. Esquisito por esquisito, dá para votar no Wadih Mutran, também, que está lá há 30 anos, ou em vários outros.” Abramo afirma que os atuais vereadores não fiscalizam o executivo porque são aliciados pelo prefeito em troca da liberação de verbas para suas emendas. E também não legislam, porque sua produção é considerada irrelevante.
Projetos de lei (PLs) com algum mérito são minoria na rotina parlamentar. Um estudo feito entre janeiro de 2009 e julho deste ano pelo Movimento Voto Consciente concluiu que metade dos PLs sancionados na atual legislatura se refere a assuntos irrelevantes para a melhoria da cidade. Dos 587 PLs sancionados desde 2009, 298 são chamados de “projetos B” pelo Voto Consciente, que mantém dez voluntários no Palácio Anchieta para analisar a produção dos vereadores e acompanhar o que acontece nas plenárias e comissões. “São projetos ridículos, que instituem datas comemorativas ou concedem títulos e homenagens”, diz a coordenadora do trabalho da ONG na Câmara, Sônia Barboza. No próximo dia 14, São Paulo comemorará o Dia do Maquiador, uma iniciativa do vereador Paulo Frange, do PTB. Ele apresentou o PL atendendo ao pedido de uma empresa de cosméticos. A efeméride entrou para o calendário oficial de São Paulo, embora os maquiadores do resto do Brasil celebrem, informalmente, no dia 13. Coisas da vida pública.



A vereadora Edir Sales, do PSD, conseguiu aprovar 14 projetos, decretos ou emendas desde 2009, quatro deles em conjunto com outros vereadores e dez de autoria individual. A lista é formada fundamentalmente por concessões honoríficas: salvas de prata para a Igreja Mundial do Poder de Deus e para o Secovi-SP (sindicato das empresas do mercado imobiliário), títulos de cidadão paulistano para o promotor Airton Grazzioli e para o pastor César Castellanos Dominguez, uma medalha Anchieta para Antonio Ruiz Gonsalez (presidente do Clube Atlético Juventus). Deve-se a ela, também, a instituição do Dia do Bairro Teotônio Vilela – 26 de setembro, caso interesse assinalar na folhinha. Tal produção fez com que Edir tirasse a pior nota da casa no quesito “projetos apresentados” de acordo com a avaliação do Movimento Voto Consciente: 1,36. Sua sorte foi estar presente mais vezes às votações nominais e às reuniões das comissões do que os colegas Adolfo Quintas, do PSDB, e Domingos Dissei, do PSD, empurrando-os para as últimas posições no ranking final. “Os vereadores reclamam quando a gente dá nota baixa para eles. Não é a gente que dá as notas; são eles que as tiram”, diz Sônia Barboza, a coordenadora do estudo. “Sabe por que os vereadores são tão desacreditados? Porque eles se esforçam para ser. Como eles querem que a população tenha orgulho da Câmara com essa produção medíocre e a absoluta falta de oposição e fiscalização?” Ninguém merece.



Por Camilo Vannuchi

Polícia Cidadã

Para alcançarmos está Polícia Cidadã é necessário antes de qualquer coisa que nós como cidadãos de um país democrático tenhamos uma polícia desmilitarizada, há uma necessidade urgente dessa transformação. Para que tenhamos uma Polícia Cidadã somente é necessário que você Assine a nossa petição:


PETIÇÃO PÚBLICA PELA DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS E BOMBEIROS MILITARES DO BRASIL!





Consciência Política PM&BM









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