Humoristas, cantores, socialites,
dançarinas de funk e jogadores de futebol estão entre os 1.166 candidatos a
vereador em São Paulo. Por que eles querem entrar na política e o que a atual
campanha nos diz sobre a credibilidade da Câmara Municipal.
“Esquisito por esquisito,
vote no Marquito.” Com essas palavras, o humorista Marco Antonio Ricciardelli
conseguiu sintetizar num slogan a dimensão exata do que se tornou a disputa
pelo legislativo paulistano. Pelo menos para uma parte dos candidatos e dos
eleitores. Assistente de palco do Ratinho, Marquito deixou o programa para ser
candidato a vereador pelo PTB, partido a que se filiou no ano passado, a
convite de um amigo em comum com o deputado federal Campos Machado, presidente
da sigla. Desde o início da campanha eleitoral, em agosto, Marquito tem
encarnado diferentes personagens na TV. Numa cena, vestiu-se de idoso, com
óculos e cachecol, e virou os bolsos da calça para fora, numa alusão ao valor
irrisório das aposentadorias – como se mudar o cálculo das pensões fosse
atribuição da vereança. Noutra ocasião, virou motoboy e enfaixou os dois braços
para protestar contra a escalada de acidentes no trânsito. Todas as vezes, o
bordão é o mesmo. “Assim não dá!”, ele diz, antes de proferir seu slogan e o
número a digitar na urna. Fora do estúdio, Marquito tem levado suas
esquisitices para diferentes bairros, quase sempre com uma gravata borboleta e
um paletó verde brilhante.
Os abraços que Marquito recebe por onde passa podem não ser
transformados em votos no próximo dia 7, mas revelam o carisma de um
franco-atirador capaz de esculhambar a Câmara e a si mesmo como se não tivesse
nada a perder. E ele não tem, de fato. Há dois anos, um palhaço seguiu um
script semelhante e se tornou o deputado federal mais votado do Estado. Foram
tantos votos que ele, sozinho, carregou três colegas de legenda à Câmara
Federal. Hoje, Tiririca é reconhecido como um dos políticos mais atuantes no
Congresso. Até setembro, comparecera a 100% das sessões destinadas a votação
desde o início da legislatura – logo ele que, durante a campanha, dizia não
saber o que faz um deputado.
A irreverência dos programas eleitorais gravados por Tiririca em
2010 surtiu efeito em 2012. São muitos os candidatos que, de diferentes
maneiras, repetem o tom anárquico da campanha de Tiririca, na esperança de
obter o mesmo resultado nas urnas. Alguns estampam a bizarrice desde o nome
registrado no Tribunal Superior Eleitoral. A lista inclui Seu Madruga, Phumaça,
Abajur, Mineiro Gente da Gente, Clara Essa É Batata, Denival Esse É o Cara e
Valdecir Cabra Bom, entre outros. Um deles, cujo nome verdadeiro é Armindo
Albino Munhoz, virou Professor Munhoz para disputar uma vaga de deputado
federal em 2010. Teve 849 votos, ou 0,01% do eleitorado. Agora, voltou com
outra pegada: nas urnas, seu nome é O Homem da Moto. Será que os motociclistas
o deixarão na mão desta vez?
Mudar de nome para atualizar um produto é uma estratégia
arriscada até para empresas que precisam inovar em mercados muito competitivos.
Às vezes, a troca se mostra equivocada. O chocolate Lollo era líder de vendas
quando a matriz suíça obrigou a filial brasileira a trocar o nome para
Milkybar, em 1992. Foi preciso esperar 20 anos para que a Nestlé optasse por
recuperar o nome antigo e trouxesse as velhas embalagens de volta às
prateleiras em setembro de 2012. Outras vezes, é o produto em si, e não apenas
o nome ou a embalagem, que fica obsoleto. O mesmo vale na política. É
compreensível que o eleitor cansado de ver sempre os mesmos nomes e as mesmas
promessas simpatize com os que estão estreando nas urnas.
O vale-tudo pela conquista de votos, é claro, não se limita à
bizarrice. A simpatia do eleitor pode se voltar para o representante de turma,
que carrega a categoria profissional no nome, o bairrista, que concentra sua
campanha na região onde mora, ou o herdeiro, que pega carona na fama de algum
parente com tradição na política para emplacar como seu continuador (esses e
outros perfis estão nos quadros e nas fotos de candidatos fictícios distribuídos
ao longo desta reportagem). Seja por falta de alternativa ou por não perceber
as diferenças entre as muitas opções disponíveis, fica mais difícil escolher.
“Não há distinção entre eleitores e consumidores”, disse, certa
vez, o publicitário Duda Mendonça. “O que existe é o povo.” Réu no processo do
mensalão, o também marqueteiro baiano entende das três coisas: eleitores,
consumidores e povo. Entre acarajés e rinhas de galo, elegeu, em diferentes
momentos, Maluf e Lula – dois políticos que pareciam eternos adversários até se
tornarem aliados. Em 2012, Maluf e Lula apoiam o mesmo candidato à prefeitura
de São Paulo (o petista Fernando Haddad); Duda Mendonça foge dos holofotes; e o
povo… Bem, o povo continua fazendo suas escolhas.
Entender como ele escolhe é um tema central nas reuniões de
planejamento de campanha e nas aulas de política dos cursos de ciências
sociais. Entre os conceitos formulados há décadas e já largamente esmiuçados
estão o voto ideológico, pautado pelas propostas e pela posição do candidato no
diagrama direita-esquerda, e o voto útil, quando o eleitor opta pelo “menos
pior” para evitar que o pior seja eleito. Recentemente, duas novas categorias
entraram no debate: o voto de consumo e o voto entretenimento. De um lado está
a decisão alinhada a desejos de consumidor, nem sempre racionais, como se um
candidato pudesse ser selecionado conforme os mesmos critérios que levam um
cidadão a escolher um eletrodoméstico: eficiência, custo-benefício, facilidade
de pagamento ou simplesmente pelo design. De outro lado, o adepto do voto
entretenimento dá preferência ao candidato que o diverte mais. Os dois tipos
estão por toda parte. “A Mulher Pera segue a lógica do consumo”, diz o filósofo
Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia política na USP. “É uma
mulher gostosa, atraente, que o eleitor quer consumir, ao menos no plano da
fantasia. No exemplo do Marquito, é mais presente a percepção de que a eleição
virou entretenimento. A campanha nos faz rir. E, como deixou de ser algo sério
para uma parcela da população, esses candidatos prosperam.”
Mulher
Pera é o codinome artístico (e também eleitoral) de Suelem Aline Mendes da
Silva, funkeira de Guaratinguetá radicada em São Paulo há seis anos. “Já que
eu sou uma mulher-fruta, posso usar meu corpo na campanha”, diz. A loira
escultural chegou a divulgar nas redes sociais uma fotografia do próprio bumbum
com o número da candidatura rabiscado nele. Dias depois, fez uma pausa na
campanha para se promover em outra eleição: a candidata mais bonita do Brasil,
lançada por um site. “Peço voto usando meus atributos, porque é assim que sou
conhecida. Se eleita for, não usarei esses mesmos atributos na Câmara”, afirma
em seu site.
Para Janine, há pouca diferença entre eleger um candidato
“esquisito” e votar no rinoceronte Cacareco (leia entrevista na pág. 94).
Cacareco era uma das atrações do zoológico de São Paulo em 1959, quando recebeu
cerca de 100 mil votos para a Câmara Municipal, mais do que o primeiro colocado
entre os candidatos reais – isso numa época em que os nomes eram assinalados em
cédulas de papel. Hoje, as personalidades escrachadas acabam atraindo parte
desse eleitorado, ampliando as chances de vitória. Mas não apenas. “Além do
voto de protesto e do voto de gozação, eles recebem os votos de pessoas
simples, que se identificam mais com eles do que com os candidatos ditos
sérios”, afirma o cientista político Fernando Abrucio, professor da Fundação
Getulio Vargas e colunista de ÉPOCA. “Os partidos e os candidatos tradicionais
não estão sabendo chegar à população, coisa que os artistas populares fazem
bem. Algumas legendas se aproveitam disso.”
Abrucio considera positivo que qualquer cidadão possa concorrer
a um cargo eletivo. A alternativa, segundo ele, seria impor limites à
democracia, cerceando a participação nas eleições. “Não se pode ter preconceito
democrático”, diz ele. “Quem precisa rever a postura não são os candidatos
estranhos, mas os partidos oportunistas, que se aproveitam deles para ampliar o
total de votos, sem nenhuma preocupação com ideologia ou programa de governo.”
A conta é simples: vale investir em figuras que sejam conhecidas
da população e tenham um séquito de fãs, mesmo que pequeno, uma vez que todos
os votos obtidos pelo partido se somam na hora de definir a quantidade de vagas
a que ele terá direito. Por protesto, gozação, empatia ou convicção, famosos
(ou quase famosos) como Pereio, Angela Maria, Kiko do KLB, Serginho do BBB,
Marcelinho Carioca, Dinei e Ana Paula Junqueira têm sua serventia – e,
preconceito à parte, revelam alguma razão ao apresentar seus motivos. Marquito
quer criar estacionamentos municipais, aumentar a lista de remédios gratuitos e
liberar a atividade dos ambulantes mediante o pagamento de pequenas taxas. A
Mulher Pera promete acesso grátis à internet nas escolas e maior rigor na
aplicação da Lei Maria da Penha. Ana Paula Junqueira, socialite com presença
assídua em revistas de celebridades, defende a promoção social por meio da
economia criativa e promete apresentar projetos de leis que instituam
incentivos fiscais para empresas que se fixarem na periferia. “Uma maneira,
inclusive, de melhorar o trânsito aqui no Centro”, diz ela, em sua quarta
tentativa de ganhar uma eleição (a mais recente foi em 2010, para deputada
federal).
É impossível afirmar se algum desses postulantes será eleito no
dia 7. Num universo de 1.166 candidatos em disputa até o momento – as candidaturas
de outros 61 foram indeferidas pelo Supremo Tribunal Federal entre o início da
campanha e o fechamento desta edição – nem os maiores institutos de pesquisa se
dispuseram a realizar enquetes e divulgar as prévias de intenção de votos para
o poder legislativo. Ainda assim, basta a proliferação de candidaturas bizarras
para que se percebam duas coisas: o desconhecimento em relação ao papel dos
vereadores e o quase absoluto descrédito em relação ao que é produzido no
Palácio Anchieta, sede do legislativo. Com exceção dos 51 vereadores que tentam
permanecer em seus gabinetes, os demais 1.115 candidatos costumam bater na
tecla da renovação, não apenas por interesse próprio, mas porque sabem que essa
ideia encontra eco na maioria do eleitorado. “Os debates se sucedem e nem
sempre as teses são aprovadas. Repetem-se conceitos e reclamações, como se a
Câmara fosse um imenso e monótono realejo”, diz a “herdeira” Lívia Fidelix,
numa feliz analogia que poderia estar num discurso do pai, Levy Fidelix,
candidato a prefeito.
A renovação na Câmara tem sido de aproximadamente 50% a cada
legislatura. Segundo Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da ONG
Transparência Brasil, não deve ser diferente neste ano. O que pode piorar,
mantido o ritmo atual, é a relevância da casa. “A Câmara se tornou totalmente
inútil”, diz ele. “Tanto faz o nome de quem for eleito, porque os vereadores,
quaisquer que sejam, não cumprem suas principais funções. Esquisito por
esquisito, dá para votar no Wadih Mutran, também, que está lá há 30 anos, ou em
vários outros.” Abramo afirma que os atuais vereadores não fiscalizam o
executivo porque são aliciados pelo prefeito em troca da liberação de verbas
para suas emendas. E também não legislam, porque sua produção é considerada
irrelevante.
Projetos
de lei (PLs) com algum mérito são minoria na rotina parlamentar. Um
estudo feito entre janeiro de 2009 e julho deste ano pelo Movimento Voto
Consciente concluiu que metade dos PLs sancionados na atual legislatura se
refere a assuntos irrelevantes para a melhoria da cidade. Dos 587 PLs
sancionados desde 2009, 298 são chamados de “projetos B” pelo Voto Consciente,
que mantém dez voluntários no Palácio Anchieta para analisar a produção dos
vereadores e acompanhar o que acontece nas plenárias e comissões. “São projetos
ridículos, que instituem datas comemorativas ou concedem títulos e homenagens”,
diz a coordenadora do trabalho da ONG na Câmara, Sônia Barboza. No próximo dia
14, São Paulo comemorará o Dia do Maquiador, uma iniciativa do vereador Paulo
Frange, do PTB. Ele apresentou o PL atendendo ao pedido de uma empresa de
cosméticos. A efeméride entrou para o calendário oficial de São Paulo, embora
os maquiadores do resto do Brasil celebrem, informalmente, no dia 13. Coisas da
vida pública.
A
vereadora Edir Sales, do PSD, conseguiu aprovar 14 projetos, decretos ou
emendas desde 2009, quatro deles em conjunto com outros vereadores e dez de
autoria individual. A lista é formada fundamentalmente por concessões
honoríficas: salvas de prata para a Igreja Mundial do Poder de Deus e para o
Secovi-SP (sindicato das empresas do mercado imobiliário), títulos de cidadão
paulistano para o promotor Airton Grazzioli e para o pastor César Castellanos
Dominguez, uma medalha Anchieta para Antonio Ruiz Gonsalez (presidente do Clube
Atlético Juventus). Deve-se a ela, também, a instituição do Dia do Bairro
Teotônio Vilela – 26 de setembro, caso interesse assinalar na folhinha. Tal
produção fez com que Edir tirasse a pior nota da casa no quesito “projetos
apresentados” de acordo com a avaliação do Movimento Voto
Consciente: 1,36. Sua sorte foi estar presente mais vezes às votações
nominais e às reuniões das comissões do que os colegas Adolfo Quintas, do PSDB,
e Domingos Dissei, do PSD, empurrando-os para as últimas posições no ranking
final. “Os vereadores reclamam quando a gente dá nota baixa para eles. Não é a
gente que dá as notas; são eles que as tiram”, diz Sônia Barboza, a
coordenadora do estudo. “Sabe por que os vereadores são tão desacreditados? Porque
eles se esforçam para ser. Como eles querem que a população tenha orgulho da
Câmara com essa produção medíocre e a absoluta falta de oposição e
fiscalização?” Ninguém merece.
Por Camilo
Vannuchi
Polícia Cidadã
Para alcançarmos está
Polícia Cidadã é necessário antes de qualquer coisa que nós como cidadãos de um
país democrático tenhamos uma polícia desmilitarizada, há uma necessidade
urgente dessa transformação. Para que tenhamos uma Polícia Cidadã somente é
necessário que você Assine a nossa petição:
PETIÇÃO
PÚBLICA PELA DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS E BOMBEIROS MILITARES DO BRASIL!
Consciência
Política PM&BM
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