Otto Von
Bismarck (1815-1898) dizia que "as pessoas nunca mentem tanto quanto
depois de uma caçada, durante uma guerra e antes de uma eleição". Bismarck
entendia bem de guerra, caça, eleição e mentira. Primeiro chanceler do império
alemão, patrono do sufrágio universal em seu país, foi idealizador do primeiro
sistema de previdência social do mundo e um magistral manipulador de vaidades.
Exageros, citações tiradas do contexto, omissões, montagens maliciosas de imagens do adversário, mentiras, falsificações e fraudes fazem parte do espetáculo eleitoral desde que as sociedades decidiram por essa forma de escolha dos governantes. O psicólogo americano Gerald Jellison, da Universidade do Sul da Califórnia, calcula que, no decorrer de um dia normal qualquer (fora de períodos eleitorais), uma pessoa escuta, vê ou lê duas centenas de mentiras – uma inverdade a cada cinco minutos. A maioria delas são inofensivas mentiras sociais que ajudam a harmonizar as relações interpessoais no cotidiano.
"Seu
corte de cabelo ficou ótimo" ou "o trânsito estava um caos, por
isso me atrasei" constituem exemplos clássicos. Só uma pequena
porcentagem é de mentiras que machucam ou ocasionam prejuízo material ou moral
aos outros. Em tempos eleitorais, a taxa de mentira se multiplica geometricamente.
Mas também na vida pública existe uma gradação do potencial destrutivo das
mentiras. Elas podem variar de uma omissão necessária e justificável até uma
fraude com o efeito de enriquecer pessoas e grupos.
"Um político de sucesso, com muitos anos de
carreira, foi obrigado a aprender a mentir de um modo tão profissional diante
das câmeras que a imensa maioria das pessoas e mesmo os profissionais do
comportamento humano não são capazes de detectar seus deslizes", disse a
VEJA Paul Ekman, professor de psicologia da Universidade da Califórnia,
considerado o maior especialista mundial em detecção de mentira, campo a que se
dedica há trinta anos. Políticos se equiparam aos atores na capacidade de
fingir.
Ambos o fazem por necessidade profissional. Profissionais
treinados são capazes de perceber em mais de 70% dos casos, em grupos
controlados de estudo, se uma pessoa comum está mentindo. "Quando fazemos
o mesmo estudo tendo como voluntários políticos e atores, a taxa de acerto cai
para menos de 10%", relata o professor Ekman.
Desnecessário dizer que todas as grandes mentiras da história humana,
engendradas por governantes, políticos, religiosos, líderes revolucionários e
manipuladores de todos os matizes, foram colocadas em circulação em nome do
interesse do Estado, do bem comum ou da liberação dos oprimidos. Mentiras
oficiais são protegidas por leis de sigilo que as mantêm longe do público em
alguns casos, como nos Estados Unidos, por até 25 anos. Uma falsidade
recentemente revelada pelos arquivos presidenciais americanos foi à decisão do
governo dos Estados Unidos, nos anos 60, de aprofundar cada vez mais o
envolvimento militar no Vietnã, mesmo sabendo que a guerra não poderia ser
vencida. Naquele tempo e nos trinta anos seguintes, sustentou-se a mentira
oficial de que os relatórios diziam que o inimigo comunista estava prestes a
ser esmagado.
Os americanos esconderam da opinião pública seu
grau de participação nos golpes que, no auge da Guerra Fria, derrubaram
governos legitimamente eleitos no Chile e na República Dominicana. O governo
dos Estados Unidos mentiu sobre o fato de que, para efeito de pesquisa, expôs
soldados à radiação nuclear e deixou negros infectados com a sífilis
desenvolver a doença sem tratamento para saber com exatidão como a bactéria
destrói o corpo humano. São mentiras usadas para esconder ações bárbaras. Todo
país tem mentiras oficiais enterradas em seu passado. Felizmente, nas nações
democráticas elas costumam vir à tona. Muitas vezes é tarde demais para que
suas vítimas possam ser compensadas, mas a tempo de evitar que se repitam.
Muitas das mentiras oficiais realmente servem ao bem comum, e a sociedade
espera que elas sejam ditas. "Um general tem o dever de mentir sobre o
local do ataque que planeja, e todo mundo espera que o presidente do Banco
Central não diga a verdade se alguém lhe perguntar se a taxa de juros vai ser
fixada em x ou y", afirma Ekman. "Como regra geral, a mentira dita
pelos políticos esconde-se sob a justificativa do bem comum quando interessa
mais à sobrevivência dele e de seu grupo."
"A
mentira esteve a ponto de destruir a humanidade em diversas ocasiões, mas
pode-se dizer que foi ela que nos trouxe até aqui", diz o biólogo Alan
Grafen, estudioso do comportamento humano. Grafen concentrou seus estudos no
papel da mentira na evolução humana. Ele concluiu que a mentira social é
sintoma de equilíbrio numa sociedade avançada. Quanto mais interdependente o
convívio entre os pares, maior a necessidade da mentira. "Chamemos de alta
diplomacia, mas no Vaticano e na Organização das Nações Unidas, por exemplo, a
mentira é o amálgama que ajuda essas instituições a não se espatifar nas
crises", declara Grafen.
O biólogo faz uma observação cuja confirmação pode
ser obtida no dia-a-dia dos casamentos, do mercado e da política. "Para
que cumpra seu papel apaziguador e conciliatório, a mentira exige que a
honestidade prevaleça como a característica mais valorizada pelo grupo
social", diz Grafen. Ou seja, a mentira para ser socialmente útil precisa
ter "pernas curtas e nariz longo", como dizia Gepeto, o pai do
Pinóquio, na história infantil criada pelo italiano Carlo Collodi no século
XIX. A falsidade deve ser tolerada apenas como contraponto da verdade, sugere o
biólogo. Da mesma forma que a virtude só pode ser devidamente exaltada quando
se sabe da existência e das tentações do pecado.
É verdade. Como se identificariam os santos se
ninguém na humanidade pecasse? "Quando passa de certos limites, portanto,
a mentira tem de ser punida. Se ela começa a se tornar dominante, a sociedade,
sem se dar conta, caminha para a extinção", observa Grafen. E quais seriam
esses limites? Os estudiosos se calam sobre isso, mas a pista pode ser
encontrada no bom senso. As mentiras aceitáveis se distinguem das inaceitáveis
da mesma forma como o erotismo se diferencia da pornografia. É aceitável
esconder de um velho tio uma doença terminal. Quase todos os pedagogos dizem
que os pais devem mentir aos filhos pequenos quando eles querem saber
precocemente sobre sexo.
Depois de três décadas de estudo sobre como
detectar a mentira, o professor Ekman desenvolveu um método de apontar
mentirosos que foi adotado pelo FBI, a polícia federal americana, e por
inúmeros departamentos estaduais de polícia dos Estados Unidos. Quando se trata
de um mentiroso envolvido em crime, o método do FBI tem tido uma taxa razoável
de sucesso, em torno de 70%. Mas talvez a conclusão mais interessante desse
tipo de abordagem seja a que envolve a mentira no cotidiano. "Tenho prazer
em dizer que depois de tantos anos de estudo minha maior descoberta foi que
nós, seres humanos, não somos mentirosos perfeitos. Entretanto, ao contrário do
que imaginava Sigmund Freud, detectar sem erros a mentira é uma tarefa muito
complexa e talvez inútil", observa Ekman. "Mentir com imperfeição é
fundamental para nossa existência em sociedade." Estudiosos do comportamento
animal concluíram que os bichos também mentem, fingem e disfarçam emoções.
Quanto mais próximos da linhagem humana, eles se tornam mentirosos mais
eficientes. Orangotangos e gorilas são os símios geneticamente mais aparentados
com o homem. São também os maiores fingidores do reino animal. A mentira é um
dos traços da humanização. O homem é incapaz de mentir até os 3 meses de idade.
Os primeiros truques para chantagear mamãe e papai afloram depois dessa idade.
"Viver sem mentira seria insuportável", afirma a psicóloga Mary Ann
Mason. "Equivale a casar, trabalhar e conviver, enfim, com pessoas cujas
emoções pararam de amadurecer quando elas tinham 3 meses de idade."
Embora apareça sempre na literatura e nas parábolas
morais como um desvio de caráter, a mentira não foi classificada como um dos
sete pecados capitais pelos codificadores da fé católica. A gula, a luxúria e a
preguiça estão na lista dos pecados que levam os crentes católicos direto para
o inferno. Também são capitais os pecados da ira, da avareza, da soberba e da
inveja. A mentira, não. Sem a mentira a vida seria um inferno. "Se nunca
pudéssemos mentir, se todos os sorrisos fossem confiáveis e se todos os olhares
fossem facilmente decifráveis, a convivência humana seria impossível em casa, no
trabalho, em sociedade", escreveu Mary Mason.
O psicólogo
da Universidade da Califórnia comparou a maneira como as pessoas expressam
emoções em mais de duas dezenas de países em todos os continentes. Sua
descoberta principal é que as expressões faciais são universais, mas os gestos,
a chamada linguagem corporal, têm diferentes significados em cada cultura. Com
base em seu estudo, diversos psicólogos desenvolveram métodos de detecção da
mentira que se assentam principalmente no exame das expressões faciais. Em seu
livro Análise do Caráter, Wilhelm Reich, psicanalista austríaco do
início do século passado, já havia proposto uma nova análise do caráter humano
quando começou a considerar os aspectos não verbais da comunicação humana.
Freud, o mestre com quem Reich rompeu, dizia que "quem vê cara vê coração".
Na época parecia uma afirmação pouco exata, mas pesquisas sugerem que é mesmo
difícil para as pessoas comuns, sem o treino dos políticos e dos atores,
esconder suas emoções e mentir sem que a falsidade acabe de certa forma
estampada no rosto.
Segundo os psicólogos, existem nove razões principais para que alguém minta ou resolva omitir informações. Os políticos, na avaliação do psicólogo, formam a categoria de pessoas que têm mais razões para mentir, sair-se com evasivas ou omitir dados. Numa lista de motivações para mentir (veja quadro ao lado), os políticos podem ser incluídos em pelo menos cinco. Eles mentem para "fugir de um castigo", para "obter uma recompensa que lhes seria negada se dissessem a verdade", "para ser admirados", "para evitar constrangimentos" e "para manipular". Alguns exemplos recentes ajudam a ilustrar o primeiro dos motivos para mentir que tanto tentam os políticos: "obter uma recompensa", no caso ganhar uma eleição.
O chanceler alemão Gerhard Schroeder acaba de se
eleger com uma vantagem ínfima de votos, obtida segundo seus adversários graças
a uma mentira ou, mais exatamente, a uma inesperada mudança de atitude
absolutamente contrária a suas posições no governo até agora. Schroeder decidiu
dizer aos eleitores que a Alemanha sob seu comando não aceitaria juntar-se aos
Estados Unidos e à Inglaterra numa iminente guerra contra o Iraque. A Alemanha
de Schroeder mandou tropas para o Afeganistão e para a Bósnia e tem sido uma
fiel aliada dos Estados Unidos na campanha militar antiterrorista. Mas, como as
pesquisas indicavam que os eleitores não aprovavam uma guerra contra Saddam
Hussein, o chanceler mudou rapidamente de lado. Essa atitude não é exceção
entre os políticos. É a regra em qualquer país. "A democracia é um sistema
tão impressionante que produz resultados positivos, em geral, com o somatório
de interesses mesquinhos", escreveu o francês Alexis de Tocqueville,
historiador e sociólogo do século XIX que se encantou com o sistema político
dos Estados Unidos. Esperemos que o mesmo se aplique ao Brasil neste momento de
tantas incertezas políticas e econômicas.
Texto de Tania Menai e Roseli Loturco (Edição 1 771 - 2 de outubro de 2002)
Polícia Cidadã
Para alcançarmos está
Polícia Cidadã é necessário antes de qualquer coisa que nós como cidadãos de um
país democrático tenhamos uma polícia desmilitarizada, há uma necessidade urgente
dessa transformação. Para que tenhamos uma Polícia Cidadã somente é necessário
que você Assine a nossa petição:
PETIÇÃO PÚBLICA PELA DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS E BOMBEIROS MILITARES
DO BRASIL!
Consciência
Política PM&BM
Nenhum comentário:
Postar um comentário
- Nosso blog tem o maior prazer em publicar seus comentários. Reserva-se, entretanto, no direito de rejeitar textos com linguagem ofensiva ou obscena, com palavras de baixo calão, com acusações sem provas, com preconceitos de qualquer ordem, que promovam a violência ou que estejam em desacordo com a legislação nacional.
- O comentário precisa ter relação com a postagem.
- Comentários anônimos ou com nomes fantasiosos poderão ser deletados.
- Os comentários são de exclusiva responsabilidade dos respectivos autores e não refletem a opinião deste blog.