quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O "Direito" Militar e uma carta constitucional que sangra: reflexões sobre o atual panorama dos direitos humanos e dos direitos dos militares estaduais




Até quando a sociedade civil ignorarão o que ocorre dentro dos quartéis militares? A começar pela academia que exclui de seu ementário componentes curriculares como Direito Penal Militar ou Direito Processual Penal Militar, razão porque, a despeito, de lograrmos aparente evolução legislativa e jurisprudencial de proteção dos direitos humanos, ainda sonegamos aos militares muitos desses direitos, os quais diga-se de soslaio são extensíveis até aos inimigos do estado.
 


Causa espécie a constatação de que os militares brasileiros, apesar de comprometerem diariamente as suas vidas em ações de segurança, não são contemplados com muitos dos direitos previstos na legislação nacional, ao passo que os criminosos são gozadores de tais direitos, ainda que reincidentes.

Essa questão é ainda mais inquietante quando relacionada às polícias militares estaduais que, a despeito de serem forças auxiliares do exército brasileiro, em tempos de guerra, sendo o Brasil uma nação não beligerante é esta polícia a responsável, junto com outros agentes de segurança pública, pela segurança do cidadão, das grandes às pequenas cidades, da zona urbana à zona rural.

Destarte, por que o Direito marginaliza o direito militar? Aliás, existe, de fato, direito militar? Por que só os militares discutem direito militar, sempre enxergando na hierarquia e na disciplina militares os pilares milenares da instituição.

Diga-se de passagem, por que só os oficiais se debruçam sobre a temática? Abordar qualquer temática afeta ao militarismo no Brasil ainda é um tabu, tanto dentro como fora dos quartéis, pois a ferida ainda está aberta, assim, discutir os direitos dos militares é mister árido, sobretudo, se a proposta é de desmilitarização desse direito.

OS MILITARES ESTADUAIS E A DURA MISSÃO DE SERVIR A DOIS SENHORES: A “SOCIEDADE” E O “COMANDO”

 

A priori, é necessário ratificar que as abordagens trazidas neste resumo estão relacionadas aos militares estaduais, compreendendo-se que, na esfera federal, outros valores devem ser levados em consideração, a despeito de se entender que muito do que será dito abaixo também lhes é em igual medida aplicável, posto que são humanos.

A preocupação com o Direito Militar é questão fulcral quando se pensa em segurança pública, e as políticas de segurança pública estão na ordem do dia quando se discute desenvolvimento, notadamente se a questão é colocada no prisma dos estados.

Por que os tribunais superiores permitem, ainda que imo licitamente, a aplicação da teoria do direito penal do inimigo aos militares, não lhes reconhecendo, mesmo sob a égide da CRFB/88, o acesso amplo a alguns direitos humanos, como o do contraditório, da ampla defesa e o da presunção de inocência, quando processados pelo direito militar.

Será que o ranço da ditadura militar não nos deixa pensar ou repensar alguns institutos militares, ou os militares não integram a sociedade civil? A Justiça Militar é importante para a democracia brasileira? Por que de um Direito Castrense em um país democrático e não belicista? Por que a nossa Constituição não é para todos?

 Essas são questões que incomodam demasiadamente, aliás esse debate desaparece na mesma velocidade com que ressurge.

Há um grito calado dentro dos quartéis que a sociedade civil não quer e não pode ouvir. Apenas para efeito de registro, há, outrossim, crítica interna, exempli gratia, no Rio Grande do Sul, o desembargador Armínio José Abreu Lima da Rosa, posicionou-se contrariamente à existência da Justiça Castrense naquele estado.

 

Desde a Constituição de 1934, a Justiça Militar compõe o Poder Judiciário Nacional razão pela qual muitos a consideram uma das instituições mais antigas do Brasil. Há muitas questões abertas no Brasil sobre o militarismo, e todas são questões ainda muito mal resolvida em nossa sociedade, ignorada nas academias, inclusive, pelos cursos de Direito. Cumpre registrar que nos trabalhos da constituinte de 1988, chegou-se a propor a extinção da Justiça Militar no Brasil.

A revisão constitucional prevista no artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias causou preocupação em muitos militares de alta patente, nesse sentido, foi à manifestação do general Haroldo Erichsen da Fonseca, em discurso de posse como presidente do STM, senão vejamos:

Preocupa-me, como presidente deste tribunal, a realização dessa revisão. Não que ela seja necessária, mas pela lembrança do modo como foram conduzidas as discussões sobre os destinos da Justiça Militar durante os trabalhos da Assembléia Constituinte [...] Após acidentado processo elaborativo, que em seu início admitiu até a pura e simples extinção da Justiça Militar, a nova Constituição, afinal, destinou a este ramo especializado do Poder Judiciário uma preceituação incompleta, por não elencar sua competência, deixando-a ao alvedrio da lei ordinária, portanto, sem a mesma garantia da estabilidade institucional dos demais ramos do Poder. Há sempre o risco, destarte, por incompreensão ou desinformação de alguns poucos, de se ver novamente contestada.

O fato é que, mesmo o direito penal brasileiro caminhando para a despenalização, para a humanização das penas, para uma justiça penal consensuada, a dignidade da pessoa humana do militar não parece ser a mesma dos demais cidadãos nacionais ou estrangeiros que em território nacional se encontrem

Quanto mais leio a jurisprudência militar pátria, mais inconformado fico com o anacronismo da sua interpretação, do distanciamento com a tendência doutrinária e política dos direitos humanos, dos tratados acordos e convenções do qual o Brasil é signatário, da leniência dos Tribunais Superiores que se servem de interpretações literais, desprovidas de atualizações doutrinárias ou de tendências jurídicas universais, diversa do tratamento dado ao cidadão comum com relação ao cumprimento da pena, numa demonstração inequívoca do desacordo da legislação castrense em alguns postulados e dogmas, não só com a Constituição Brasileira, mas, também com a tendência universal do tratamento a ser dado ao homem encarcerado pelo Estado como reprimenda à infrigência da norma repressora que in casu é relativa à classe militar.

Apenas, à guisa de exemplo, a Lei de Execuções Penais adotou o sistema progressivo. O Supremo Tribunal Federal afirmou em célebre julgamento ser o direito à progressão, um direito fundamental atrelado à humanização das penas, desse modo, no HC 82.959-7, de relatoria do Min. Marco Aurélio, o placar final foi de seis votos (Marco Aurélio, Carlos Britto, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Eros Grau e Sepúlveda Pertence) a cinco (Carlos Velloso, Nelson Jobin, Ellen Gracie, Joaquim Barbosa e Celso de Mello), pela inconstitucionalidade do 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990, lei que trata dos crimes hediondos no Brasil. O STF removeu o obstáculo legal que impedia a análise da progressão em crimes hediondos, proclamando sua inconstitucionalidade “urbi et orbis”, assim abriu-se espaço para decisões judiciais e, posteriormente, para uma alteração legislativa que passou a consagrar a progressão de regime mesmo em se tratando de crimes hediondos, mas o Código Penal Militar não contempla aos indivíduos regidos por ele, ou que vierem a cometer crime militar, a progressão de regime. Nessa senda, é mais uma vez contundente Pacheco (2011, p.03):

[...] sob os auspícios da condição de ser regido por direito especial, teima em não se entrosar aos novos rumos das Ciências Jurídicas no que pertine à homenagem aos direitos sociais e humanos, quase sempre sob a alegação que a hierarquia e disciplina estarão abaladas se esse ou aquele direito devido ao cidadão comum fizer parte do acervo jurídico de proteção à liberdade e aos bens destinados aos militares. Entretanto, os deveres não são da mesma forma valorados no equilíbrio dessas relações, pois são exigidos indiscriminada e incontinenti sem a distinção que se dá às prerrogativas. Assim, tanto aos militares federais e grande parte dos militares estaduais os direitos sociais e garantias individuais em tempo de paz são sonegados sob as mais variadas desculpas ou sem qualquer desculpa pala administração pública.

A jurisprudência é pacífica no conhecimento de habeas corpus impetrado em relação a punição disciplinar, mas apenas no que tange à restrita apreciação dos aspectos de legalidade e legitimidade do ato administrativo punitivo, e não sobre o mérito.

Habeas Corpus. Militar. Pena disciplinar. Art. 142, § 2°, da Lei Magna. Incabível nos termos do art. 142, § 2°, da Carta da República, habeas corpus em relação a punições disciplinares militares. A restrição, todavia, circunscreve-se ao exame de mérito. Os aspectos extrínsecos do ato que aplicou a punição disciplinar podem, contudo, ser objeto de apreciação pela via do Mandamus." (STJ - HC 5397 – DJ 08.04.97 – Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca).

Ademais, os institutos despenalizadores previstos na lei 9.099/95 também não são aplicáveis ao direito militar. Enfim, há um conjunto de direitos e garantias fundamentais, que se aplicam a todos os indivíduos, exceto aos militares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitas são as questões afetas ao militarismo que ainda padecem de discussão, notadamente quando a questão é relacionada aos militares estaduais que não tem, a priori, a função de proteção da pátria, mas sim a proteção dos cidadãos. A sonegação de muitos desses direitos interfere diretamente na relação estabelecida entre o militar e a sociedade civil e, por conseguinte, na segurança pública, enquanto postulado de desenvolvimento. É necessário debater os dogmas militares calcados na disciplina e na hierarquia, compreender as razões que os sustentam para perceber que, no âmbito estadual, essa questão parece também impedir um melhor desenvolvimento das políticas públicas de segurança.

Por: DANIEL FERREIRA DE LIRA: Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG, professor das disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI), professor da Disciplina de Direito Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades, professor do Lexus Cursos Jurídicos, ex-professor do Meritus e de diversos outros cursinhos preparatórios para concursos e para o Exame da OAB . Advogado Militante, civilista, palestrante em eventos jurídicos nacionais e internacionais, doutorando em Direito pela Universidad Catolica Argentina/ARG



Consciência Política PM&BM

Um comentário:

  1. Gentileza corrigir no fim do primeiro parágrafo desta postagem palavra com erro.

    O "Direito" Militar e uma carta constitucional que sangra: reflexões sobre o atual panorama dos direitos humanos e dos direitos dos militares estaduais

    ResponderExcluir

- Nosso blog tem o maior prazer em publicar seus comentários. Reserva-se, entretanto, no direito de rejeitar textos com linguagem ofensiva ou obscena, com palavras de baixo calão, com acusações sem provas, com preconceitos de qualquer ordem, que promovam a violência ou que estejam em desacordo com a legislação nacional.
- O comentário precisa ter relação com a postagem.
- Comentários anônimos ou com nomes fantasiosos poderão ser deletados.
- Os comentários são de exclusiva responsabilidade dos respectivos autores e não refletem a opinião deste blog.