Até quando a
sociedade civil ignorarão o que ocorre dentro dos quartéis militares? A começar
pela academia que exclui de seu ementário componentes curriculares como Direito
Penal Militar ou Direito Processual Penal Militar, razão porque, a despeito, de
lograrmos aparente evolução legislativa e jurisprudencial de proteção dos
direitos humanos, ainda sonegamos aos militares muitos desses direitos, os
quais diga-se de soslaio são extensíveis até aos inimigos do estado.
Causa
espécie a constatação de que os militares brasileiros, apesar de comprometerem
diariamente as suas vidas em ações de segurança, não são contemplados com
muitos dos direitos previstos na legislação nacional, ao passo que os
criminosos são gozadores de tais direitos, ainda que reincidentes.
Essa questão
é ainda mais inquietante quando relacionada às polícias militares estaduais
que, a despeito de serem forças auxiliares do exército brasileiro, em tempos de
guerra, sendo o Brasil uma nação não beligerante é esta polícia a responsável,
junto com outros agentes de segurança pública, pela segurança do cidadão, das
grandes às pequenas cidades, da zona urbana à zona rural.
Destarte,
por que o Direito marginaliza o direito militar? Aliás, existe, de fato,
direito militar? Por que só os militares discutem direito militar, sempre
enxergando na hierarquia e na disciplina militares os pilares milenares da
instituição.
Diga-se de
passagem, por que só os oficiais se debruçam sobre a temática? Abordar qualquer
temática afeta ao militarismo no Brasil ainda é um tabu, tanto dentro como fora
dos quartéis, pois a ferida ainda está aberta, assim, discutir os direitos dos
militares é mister árido, sobretudo, se a proposta é de desmilitarização desse
direito.
OS MILITARES
ESTADUAIS E A DURA MISSÃO DE SERVIR A DOIS SENHORES: A “SOCIEDADE” E O
“COMANDO”
A priori, é necessário ratificar que as abordagens trazidas
neste resumo estão relacionadas aos militares estaduais, compreendendo-se que,
na esfera federal, outros valores devem ser levados em consideração, a despeito
de se entender que muito do que será dito abaixo também lhes é em igual medida
aplicável, posto que são humanos.
A
preocupação com o Direito Militar é questão fulcral quando se pensa em
segurança pública, e as políticas de segurança pública estão na ordem do dia
quando se discute desenvolvimento, notadamente se a questão é colocada no
prisma dos estados.
Por que os
tribunais superiores permitem, ainda que imo licitamente, a aplicação da teoria
do direito penal do inimigo aos militares, não lhes reconhecendo, mesmo sob a
égide da CRFB/88, o acesso amplo a alguns direitos humanos, como o do
contraditório, da ampla defesa e o da presunção de inocência, quando
processados pelo direito militar.
Será que o
ranço da ditadura militar não nos deixa pensar ou repensar alguns institutos
militares, ou os militares não integram a sociedade civil? A Justiça Militar é
importante para a democracia brasileira? Por que de um Direito Castrense em um
país democrático e não belicista? Por que a nossa Constituição não é para
todos?
Essas são questões que incomodam
demasiadamente, aliás esse debate desaparece na mesma velocidade com que
ressurge.
Há um grito
calado dentro dos quartéis que a sociedade civil não quer e não pode ouvir.
Apenas para efeito de registro, há, outrossim, crítica interna, exempli
gratia, no Rio Grande do Sul, o desembargador Armínio José Abreu Lima da
Rosa, posicionou-se contrariamente à existência da Justiça Castrense naquele
estado.
Desde a Constituição de 1934, a Justiça Militar compõe o Poder Judiciário
Nacional razão pela qual muitos a consideram uma das instituições mais antigas
do Brasil. Há muitas questões abertas no Brasil sobre o militarismo, e todas
são questões ainda muito mal resolvida em nossa sociedade, ignorada nas
academias, inclusive, pelos cursos de Direito. Cumpre registrar que nos
trabalhos da constituinte de 1988, chegou-se a propor a extinção da Justiça
Militar no Brasil.
A revisão
constitucional prevista no artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias causou preocupação em muitos militares de alta patente, nesse
sentido, foi à manifestação do general Haroldo Erichsen da Fonseca, em discurso
de posse como presidente do STM, senão vejamos:
Preocupa-me, como presidente
deste tribunal, a realização dessa revisão. Não
que ela seja necessária, mas pela lembrança do modo como foram conduzidas as
discussões sobre os destinos da Justiça Militar durante os trabalhos da
Assembléia Constituinte [...] Após acidentado processo elaborativo, que em seu
início admitiu até a pura e simples extinção da Justiça Militar, a nova
Constituição, afinal, destinou a este ramo especializado do Poder Judiciário
uma preceituação incompleta, por não elencar sua competência, deixando-a ao
alvedrio da lei ordinária, portanto, sem a mesma garantia da estabilidade
institucional dos demais ramos do Poder. Há sempre o risco, destarte, por
incompreensão ou desinformação de alguns poucos, de se ver novamente contestada.
O fato é
que, mesmo o direito penal brasileiro caminhando para a despenalização, para a
humanização das penas, para uma justiça penal consensuada, a dignidade da
pessoa humana do militar não parece ser a mesma dos demais cidadãos nacionais
ou estrangeiros que em território nacional se encontrem
Quanto mais leio a jurisprudência militar pátria, mais inconformado
fico com o anacronismo da sua interpretação, do distanciamento com a tendência
doutrinária e política dos direitos humanos, dos tratados acordos e convenções
do qual o Brasil é signatário, da leniência dos Tribunais Superiores que se
servem de interpretações literais, desprovidas de atualizações doutrinárias ou
de tendências jurídicas universais, diversa do tratamento dado ao cidadão comum
com relação ao cumprimento da pena, numa demonstração inequívoca do desacordo
da legislação castrense em alguns postulados e dogmas, não só com a
Constituição Brasileira, mas, também com a tendência universal do tratamento a
ser dado ao homem encarcerado pelo Estado como reprimenda à infrigência da
norma repressora que in casu é relativa à classe militar.
Apenas, à guisa de
exemplo, a Lei de Execuções Penais adotou o sistema progressivo. O Supremo
Tribunal Federal afirmou em célebre julgamento ser o direito à progressão, um
direito fundamental atrelado à humanização das penas, desse modo, no HC
82.959-7, de relatoria do Min. Marco Aurélio, o placar final foi de seis votos
(Marco Aurélio, Carlos Britto, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Eros Grau e
Sepúlveda Pertence) a cinco (Carlos Velloso, Nelson Jobin, Ellen Gracie,
Joaquim Barbosa e Celso de Mello), pela inconstitucionalidade do 1º do art. 2º
da Lei 8.072/1990, lei que trata dos crimes hediondos no Brasil. O STF removeu
o obstáculo legal que impedia a análise da progressão em crimes hediondos,
proclamando sua inconstitucionalidade “urbi et orbis”, assim abriu-se espaço
para decisões judiciais e, posteriormente, para uma alteração legislativa que
passou a consagrar a progressão de regime mesmo em se tratando de crimes
hediondos, mas o Código Penal Militar não contempla aos indivíduos regidos por
ele, ou que vierem a cometer crime militar, a progressão de regime. Nessa
senda, é mais uma vez contundente Pacheco (2011, p.03):
[...] sob os auspícios da
condição de ser regido por direito
especial, teima em não se entrosar aos novos rumos das Ciências Jurídicas no
que pertine à homenagem aos direitos sociais e humanos, quase sempre sob a
alegação que a hierarquia e disciplina estarão abaladas se esse ou aquele
direito devido ao cidadão comum fizer parte do acervo jurídico de proteção à
liberdade e aos bens destinados aos militares. Entretanto, os deveres não são
da mesma forma valorados no equilíbrio dessas relações, pois são exigidos
indiscriminada e incontinenti sem a distinção que se dá às prerrogativas.
Assim, tanto aos militares federais e grande parte dos militares estaduais os
direitos sociais e garantias individuais em tempo de paz são sonegados sob as
mais variadas desculpas ou sem qualquer desculpa pala administração pública.
A jurisprudência é pacífica no
conhecimento de habeas corpus impetrado
em relação a punição disciplinar, mas apenas no que tange à restrita apreciação
dos aspectos de legalidade e legitimidade do ato
administrativo punitivo, e não sobre o mérito.
Habeas Corpus.
Militar. Pena disciplinar. Art. 142, §
2°, da Lei Magna. Incabível nos termos do art. 142, § 2°, da Carta da
República, habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.
A restrição, todavia, circunscreve-se ao exame de mérito. Os aspectos
extrínsecos do ato que aplicou a punição disciplinar podem, contudo, ser objeto
de apreciação pela via do Mandamus." (STJ - HC 5397 – DJ 08.04.97 –
Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca).
Ademais, os
institutos despenalizadores previstos na lei 9.099/95 também não são aplicáveis
ao direito militar. Enfim, há um conjunto de direitos e garantias fundamentais,
que se aplicam a todos os indivíduos, exceto aos militares.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Muitas são
as questões afetas ao militarismo que ainda padecem de discussão, notadamente
quando a questão é relacionada aos militares estaduais que não tem, a priori,
a função de proteção da pátria, mas sim a proteção dos cidadãos. A sonegação de
muitos desses direitos interfere diretamente na relação estabelecida entre o
militar e a sociedade civil e, por conseguinte, na segurança pública, enquanto
postulado de desenvolvimento. É necessário debater os dogmas militares calcados
na disciplina e na hierarquia, compreender as razões que os sustentam para
perceber que, no âmbito estadual, essa questão parece também impedir um melhor
desenvolvimento das políticas públicas de segurança.
Por:
DANIEL FERREIRA DE LIRA: Bacharel em
Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, Especialista em Direito
Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa
Catarina (UNISUL), Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG, professor das
disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de
Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI), professor da Disciplina de Direito
Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades, professor do Lexus
Cursos Jurídicos, ex-professor do Meritus e de diversos outros cursinhos
preparatórios para concursos e para o Exame da OAB . Advogado Militante,
civilista, palestrante em eventos jurídicos nacionais e internacionais,
doutorando em Direito pela Universidad Catolica Argentina/ARG
Consciência Política PM&BM
Gentileza corrigir no fim do primeiro parágrafo desta postagem palavra com erro.
ResponderExcluirO "Direito" Militar e uma carta constitucional que sangra: reflexões sobre o atual panorama dos direitos humanos e dos direitos dos militares estaduais