“Muita gente não
entra na política com medo dela. E política realmente faz medo. No entanto,
enquanto os bons não entrarem, há de prevalecer o predomínio dos maus
políticos. Há vagas para mulheres. Há vagas para jovens. Enfim para todos. O povo
diz por ai e escuto muito – Os partidos querem nossos votos, não nossa opinião.
O povo não consegue entender a linguagem da política, por isso tem pouco
interesse por ela. Mesmo sabendo que tudo depende da política. A boa escola, a
boa saúde, a boa segurança, enfim, todas as melhorias para se viver bem
dependem das decisões políticas. Como uma atividade pode ser tão importante e
ao mesmo tempo tão ignorada? Presidente, Governador e Prefeito são mais bem
aceitos, enquanto o legislativo está em baixa. O pensamento da maioria é de que
o cidadão entra na política para tirar proveito dela, a falta de honestidade é
a causa maior e que a corrupção é maior na política do que na sociedade. Tem muita
gente séria na política.”
Podemos dizer também que o medo
e política imbricam-se de maneiras bastante complexas e, por mais surpreendente
que possa soar aos nossos ouvidos ensurdecidos pelas trombetas do liberalismo,
de maneiras potencialmente libertadoras.
O medo que impulsiona o ser
humano à ação libertadora, entretanto, não é necessariamente o medo hobbesiano
da morte violenta, mas sim o medo da servidão, ao mesmo tempo, mãe, filha e
irmã do império dos interesses, individuais e coletivos, que o imaginário
mercantilista da modernidade impõe sobre nós desde o advento do capitalismo e
da doutrina liberal que a ele se acoplou.
Somos escravos, acima de tudo,
quando somos escravos das nossas paixões, e só uma delas é capaz de nos
catapultar para o reino da ação política e para o império das virtudes: o medo
desta servidão. “A coisa de que mais tenho medo é do medo”, afirma Montaigne.
Da esperança de superação do
medo produzida pela razão prática, o ser humano engendra dentro de si o
processo de construção de sua coragem. Coragem de resistir àquilo que lhe causa
medo, mas também coragem de obedecer àquilo que pode tirar-lhe o medo.
Intérpretes de Hobbes que o aproximam do absolutismo, como Leo Strauss, sempre
enfatizaram o papel do medo da morte violenta enquanto a mais política das
paixões hobbesianas.
Aquele que teme reflete, e ao
invés de atirar-se ao objeto de sua paixão, submete seus desejos a um processo
de deliberação que é, ao mesmo tempo, instrumental e pragmático. Instrumental,
porque avalia meios para atingir seus fins e julga estes meios sob o critério
da eficácia; pragmático, porque avalia o valor do fim almejado sob a luz dos
outros fins que compõem sua economia das paixões.
O movimento da razão prática,
neste sentido, inicia-se no momento em que introduzimos um momento de
contemplação e julgamento anterior à ação. O medo, por sua vez, é o titular
entre as muitas paixões porque é ele que nos leva a refletir, negativamente,
sobre o centro gravitacional da economia das paixões humanas, qual seja, o impulso
de sobrevivência. Conclui Luiz Eduardo Soares, em uma chave hegeliana, que “o
medo equivale à consciência – de – si de um sujeito movido pela e para a
reprodução de si”.
Na tirania, por outro lado, o objeto do medo é
claro: a autoridade política arbitrária. Ainda que consentida, por que tenho
medo dela, a tirania me permite ter coragem de ter este medo, e de ter
esperança, portanto, de superá-lo. Sob o totalitarismo, o político desaparece.
Sob a tirania, ele está apenas adormecido, desaparecendo somente a política.
O medo é, portanto, uma paixão
positiva e emancipadora, criadora do político e da política em sua acepção
republicana. O inimigo do político não é o medo, não é a obediência, e nem
mesmo a autoridade política. O inimigo da ação política é o medo de ter medo.
Enquanto que do medo nasce à razão prática e a esperança de emancipar-se das
causas do medo, gerando assim uma sociabilidade reflexiva que podemos chamar de
ação política, do medo de ter medo nasce a angústia que gera uma apatia em
relação ao político que interessa somente àqueles que dela usurpam.
Enquanto que da coragem de ter
medo pode nascer uma república, na qual temos o dever de obedecer às regras
legítimas, o direito de cobrar de todos que cumpram seus deveres, o direito de
resistir quando a regra é injusta, e o dever de resisti-la quando ela nos é
imposta, do medo de ter medo nasce a apatia que arremessa os sujeitos sociais
em um jogo instrumental de articulação dos interesses privados, individuais ou
coletivos, colonizando a esfera pública e fazendo desaparecer, gradualmente, o
político das sociedades contemporâneas.
Não procede, portanto, a meu
ver, a leitura espinoziana do medo que Marilena Chauí nos oferece no artigo
citado no começo deste ensaio. Afinal, o problema central não é a dicotomia
entre medo e coragem, mas sim, a dicotomia entre o medo de ter medo e a coragem
de ter medo.
E isto se explica pelo simples
fato de que não podemos excluir o medo da economia das paixões humanas na busca
de cidadãos virtuosos moldados à imagem dos heróis dos épicos da Grécia Antiga.
Devemos aceitar o caráter estritamente ontológico do medo enquanto constituinte
da experiência humana.
O medo constrói o inimigo e
define os amigos, constituindo assim o político. E se tivermos coragem de ter
medo é possível vislumbrar uma política republicana em que a materialidade
inerte das instituições dê lugar a uma vida cívica que energiza e revitaliza
cotidianamente a operação da política.
Consciência
Política PM&BM
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