quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Medo da Política




“Muita gente não entra na política com medo dela. E política realmente faz medo. No entanto, enquanto os bons não entrarem, há de prevalecer o predomínio dos maus políticos. Há vagas para mulheres. Há vagas para jovens. Enfim para todos. O povo diz por ai e escuto muito – Os partidos querem nossos votos, não nossa opinião. O povo não consegue entender a linguagem da política, por isso tem pouco interesse por ela. Mesmo sabendo que tudo depende da política. A boa escola, a boa saúde, a boa segurança, enfim, todas as melhorias para se viver bem dependem das decisões políticas. Como uma atividade pode ser tão importante e ao mesmo tempo tão ignorada? Presidente, Governador e Prefeito são mais bem aceitos, enquanto o legislativo está em baixa. O pensamento da maioria é de que o cidadão entra na política para tirar proveito dela, a falta de honestidade é a causa maior e que a corrupção é maior na política do que na sociedade. Tem muita gente séria na política.”

 



Podemos dizer também que o medo e política imbricam-se de maneiras bastante complexas e, por mais surpreendente que possa soar aos nossos ouvidos ensurdecidos pelas trombetas do liberalismo, de maneiras potencialmente libertadoras.

O medo que impulsiona o ser humano à ação libertadora, entretanto, não é necessariamente o medo hobbesiano da morte violenta, mas sim o medo da servidão, ao mesmo tempo, mãe, filha e irmã do império dos interesses, individuais e coletivos, que o imaginário mercantilista da modernidade impõe sobre nós desde o advento do capitalismo e da doutrina liberal que a ele se acoplou.

Somos escravos, acima de tudo, quando somos escravos das nossas paixões, e só uma delas é capaz de nos catapultar para o reino da ação política e para o império das virtudes: o medo desta servidão. “A coisa de que mais tenho medo é do medo”, afirma Montaigne.

Da esperança de superação do medo produzida pela razão prática, o ser humano engendra dentro de si o processo de construção de sua coragem. Coragem de resistir àquilo que lhe causa medo, mas também coragem de obedecer àquilo que pode tirar-lhe o medo. Intérpretes de Hobbes que o aproximam do absolutismo, como Leo Strauss, sempre enfatizaram o papel do medo da morte violenta enquanto a mais política das paixões hobbesianas.

Aquele que teme reflete, e ao invés de atirar-se ao objeto de sua paixão, submete seus desejos a um processo de deliberação que é, ao mesmo tempo, instrumental e pragmático. Instrumental, porque avalia meios para atingir seus fins e julga estes meios sob o critério da eficácia; pragmático, porque avalia o valor do fim almejado sob a luz dos outros fins que compõem sua economia das paixões.

O movimento da razão prática, neste sentido, inicia-se no momento em que introduzimos um momento de contemplação e julgamento anterior à ação. O medo, por sua vez, é o titular entre as muitas paixões porque é ele que nos leva a refletir, negativamente, sobre o centro gravitacional da economia das paixões humanas, qual seja, o impulso de sobrevivência. Conclui Luiz Eduardo Soares, em uma chave hegeliana, que “o medo equivale à consciência – de – si de um sujeito movido pela e para a reprodução de si”.

 Na tirania, por outro lado, o objeto do medo é claro: a autoridade política arbitrária. Ainda que consentida, por que tenho medo dela, a tirania me permite ter coragem de ter este medo, e de ter esperança, portanto, de superá-lo. Sob o totalitarismo, o político desaparece. Sob a tirania, ele está apenas adormecido, desaparecendo somente a política.

O medo é, portanto, uma paixão positiva e emancipadora, criadora do político e da política em sua acepção republicana. O inimigo do político não é o medo, não é a obediência, e nem mesmo a autoridade política. O inimigo da ação política é o medo de ter medo. Enquanto que do medo nasce à razão prática e a esperança de emancipar-se das causas do medo, gerando assim uma sociabilidade reflexiva que podemos chamar de ação política, do medo de ter medo nasce a angústia que gera uma apatia em relação ao político que interessa somente àqueles que dela usurpam.

Enquanto que da coragem de ter medo pode nascer uma república, na qual temos o dever de obedecer às regras legítimas, o direito de cobrar de todos que cumpram seus deveres, o direito de resistir quando a regra é injusta, e o dever de resisti-la quando ela nos é imposta, do medo de ter medo nasce a apatia que arremessa os sujeitos sociais em um jogo instrumental de articulação dos interesses privados, individuais ou coletivos, colonizando a esfera pública e fazendo desaparecer, gradualmente, o político das sociedades contemporâneas.

Não procede, portanto, a meu ver, a leitura espinoziana do medo que Marilena Chauí nos oferece no artigo citado no começo deste ensaio. Afinal, o problema central não é a dicotomia entre medo e coragem, mas sim, a dicotomia entre o medo de ter medo e a coragem de ter medo.

E isto se explica pelo simples fato de que não podemos excluir o medo da economia das paixões humanas na busca de cidadãos virtuosos moldados à imagem dos heróis dos épicos da Grécia Antiga. Devemos aceitar o caráter estritamente ontológico do medo enquanto constituinte da experiência humana.

O medo constrói o inimigo e define os amigos, constituindo assim o político. E se tivermos coragem de ter medo é possível vislumbrar uma política republicana em que a materialidade inerte das instituições dê lugar a uma vida cívica que energiza e revitaliza cotidianamente a operação da política.

 

 

 

Consciência Política PM&BM

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