Passadas as eleições
municipais que foram em 2012, partidos e analistas políticos começaram a
especular menos sobre as novas administrações que assumiriam a partir do início
do ano de 2013 e mais sobre as perspectivas que os resultados abrem para o
próximo pleito, de 2014.
Ainda que não haja
uma relação tão direta entre uma e outra disputa, mede-se a força de possíveis
candidatos e agremiações pelo que seus apoiados conseguiram nas urnas. Mas,
para além das contas frias, há outras reflexões que precisam ser feitas, entre
elas uma que grita a cada votação: a necessidade de uma reforma política que
aperfeiçoe a democracia representativa no Brasil e abra a possibilidade de uma
maior participação das pessoas nas decisões da vida política do país.
O momento de se
discutir mudanças parece propício, ainda mais se forem levados em conta os
resultados das urnas por um aspecto: o desejo de renovação. Entre as 85 maiores
cidades, aquelas com mais de 200 mil eleitores, a oposição venceu em 50
municípios, representando um aumento de 56% em relação a 2008. Há que se levar
em consideração que, em 2012, muitos dos prefeitos que haviam conseguido se
reeleger em 2008 se viram forçados a apostar suas fichas em novos candidatos,
favorecendo as oposições locais, que enfrentam nomes em tese mais fracos. Mesmo
assim, dos oito prefeitos de capitais que disputaram a reeleição agora, quatro
saíram vencedores. Um índice de sucesso bem abaixo dos 95% de 2008, quando 19 dos
20 prefeitos de capitais que tentaram a reeleição foram reconduzidos.
Mas a renovação de
nomes não implica necessariamente a mudança de práticas políticas às quais os
eleitos e os candidatos são obrigados a se submeter. E aí entra em cena a
discussão sobre uma reforma política ampla. O deputado Henrique Fontana
(PT-RS), relator da Comissão Especial da Reforma Política, esperava antes do
fechamento desta edição que a proposta fosse votada até o fim do ano na Câmara
dos Deputados, e no primeiro semestre de 2013 no Senado.
A proposta que tem
mais visibilidade dentre os pontos presentes no relatório de Fontana é o
financiamento público exclusivo de campanhas. A ideia, segundo o texto do
anteprojeto, é “possibilitar um financiamento livre de interesses outros que
não sejam os legítimos interesses de representação política. O financiamento
pelo Estado é definido por critérios claros e transparentes, vinculados à força
das agremiações junto à sociedade, e não depende das decisões arbitrárias dos
grandes financiadores privados. Diferentemente do modelo atual, os candidatos
não ficarão na dependência dos doadores privados, nem precisarão arrecadar
recursos crescentes porque seus concorrentes ampliaram seus gastos, num jogo
sem limites”. O sistema prevê a criação de um Fundo de Financiamento das
Campanhas Eleitorais, que distribuirá recursos aos candidatos conforme cada
cargo em disputa, em cada estado ou município. Depois, “os recursos são
distribuídos entre os partidos, de acordo com o número de votos obtidos nas eleições
anteriores, uma parte de forma igualitária, e outra, de acordo com a votação
recebida nas respectivas circunscrições.
“Acho o financiamento
público das campanhas algo muito salutar. Se existe uma coisa que nós devemos
combater é a interferência do poder econômico dentro das estruturas eleitorais
brasileiras. Para se eleger um deputado federal em São Paulo, dificilmente se
consegue com menos de R$ 7 milhões. Ou seja, isso já cria uma situação
absolutamente absurda, em que o poder econômico tem uma interferência maciça.
Você precisa arrumar R$ 7 milhões, e depois tem que pensar onde vai arrumar
mais R$ 7 milhões para a sua reeleição. Isso deixa a pessoa completamente
vulnerável ao setor mais financeirizado da economia e do poder brasileiro”,
acredita o filósofo Vladimir Safatle. “Hoje tendemos a caminhar para uma
plutocracia. Uma situação um pouco similar à norte-americana, na qual quem
arrecada mais consegue, de fato, ter uma segurança eleitoral. Uma coisa que
existia lá no comecinho da redemocratização, em 1982, 1986, era o deputado que
vinha da base do sindicato dos professores, de certas categorias organizadas, e
isso tende a existir cada vez menos”, pondera.
O Presidente da OAB,
Marcus Vinicius Furtado, durante um evento da entidade, declarou que:
“No Brasil, há
concentração de empresas doadoras, ligadas a setores que defendem diretamente
gestões públicas. [...] Buscamos restringir a forte interferência econômica na
política brasileira, onde mais de R$ 1 bilhão foi doado nos últimos dez anos
apenas por dez empresas, sendo cinco construtoras”
E, segundo Roberto
Gurgel, Procurador Geral da República:
“A opção legislativa pela
possibilidade de doações por pessoas jurídicas permite uma nefasta cooptação do
poder político pelo poder econômico.” e que o financiamento privado durante
a disputa eleitoral poderia causar “disparidade
crassa entre as possibilidades competitivas e de êxito eleitoral dos cidadãos
ricos e pobres.”
O objetivo da
proposta é que as eleições se tornem não somente uma disputa menos desequilibrada,
mas também que possa se fiscalizar com maior rigor e de forma mais prática o
uso do chamado “Caixa 2”, as doações ilegais feitas por empresas a
partidos e candidatos. Conforme o anteprojeto, “o importante é que o
financiamento público ataca as causas da corrupção, permite que os candidatos
possam fazer campanha sem recorrer a relações que os tornam vulneráveis, e
facilita a fiscalização e punição das burlas”. Também estão previstas sanções
de natureza administrativa, eleitoral e penal em casos de arrecadação ilícita,
que não estão presentes no modelo atual. Para as pessoas jurídicas, por
exemplo, propõe-se a aplicação de multa e proibição de participação em
licitações, de celebrar contratos com o poder público e de receber benefícios
fiscais e creditícios de bancos públicos pelo prazo de cinco anos nos casos de
Caixa 2.
Mas nem mesmo o
financiamento público de campanhas é ponto pacífico na reforma. Para o
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Jairo Nicolau, o novo
sistema não seria capaz de tornar menos desigual o embate eleitoral. “O grande
problema não é o desequilíbrio das campanhas, até porque no Brasil o horário
eleitoral é bastante generoso com as pequenas legendas. Se você observar, as
campanhas americanas são caras, sobretudo porque os candidatos compram tempo na
televisão; aqui, as campanhas são caras e os candidatos dispõem do tempo de
televisão. Não existe lugar no mundo onde partidos pequenos tenham um horário
de TV tão generoso”, analisa. “Então, o tempo de televisão já é um recurso
público, porque aquilo é descontado das redes como dedução fiscal [80% do valor
que a emissora poderia receber caso o espaço publicitário fosse vendido pode
ser deduzido do imposto de renda]. Agora, dar dinheiro para os partidos fazerem
campanha, acho que não é uma boa solução. Nosso problema não é os partidos não
terem recursos, mas o fato de os recursos virem basicamente de empresas, não
havendo transparência nessa doação feita aos candidatos.
Para Nicolau, a
corrupção eleitoral também não sofreria grandes abalos com a proposta. “Qual a
garantia de que não vai existir corrupção eleitoral, de que o candidato, ao
receber 100 mil reais, diga que gastou 50 mil com panfletos, 25 mil com outra
coisa e embolse a diferença? Quem vai fiscalizar as gráficas, os
fornecedores?”, questiona. “E vamos ser realistas, vários países enfrentaram
problemas de corrupção eleitoral, democracias de todas as configurações,
escandinavas, países como a Inglaterra, França, Alemanha, nórdicos e nenhum
deles adotou um sistema exclusivamente público de financiamento de campanhas.
Esses países têm uma legislação, uma tradição de aperfeiçoamento institucional
muito mais moderna do que a nossa. Por que esses países não caminharam para
essa solução? Porque é uma solução complexa, polêmica, e as pesquisas mostram
que a população é contra tirar dinheiro do orçamento para financiar campanhas.
E é ingênua, porque não é garantia que os partidos vão fazer campanhas mais
transparentes. Não imagino que as pequenas legendas vão ganhar muito, basta ver
a distribuição atual do Fundo Partidário, onde os três ou quatro maiores
partidos ganham alguns milhões e os menores, alguns milhares.”
Para Francisco
Fonseca, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é
importante ter uma estrutura de fiscalização inovadora, que envolva o Estado e
setores da sociedade, e o financiamento público poderia impedir o que considera
ser a privatização da vida política brasileira. Mas ele também considera
fundamental que haja uma diminuição no número de partidos políticos. “Não uma
redução no sentido de não poder existir, mas é preciso estabelecer que os
partidos que recebem dos fundos partidários sejam representativos, senão eles
acabam fazendo dessa condição uma mercadoria”, adverte. “Os políticos fazem
política hoje tendo como referência histórica o multipartidarismo flexível.
Veja o exemplo do Kassab [Gilberto, prefeito de São Paulo], é fácil montar um
partido, o sistema político está acostumado a trabalhar com essa incrível
flexibilidade, mas isso precisa ser quebrado.”
Federações
partidárias e democracia participativa
Durante os trabalhos
da Comissão Especial da Reforma Política, discutiu-se a adoção de outros
sistemas eleitorais como o distrital puro – no qual a circunscrição é o Estado
ou partes do seu território –, combinado com o sistema proporcional de lista
fechada; e o distrital misto, com metade das vagas preenchidas pela votação em
nomes e metade pelo sistema proporcional de lista fechada. Mas a proposta que
consta no relatório é a do sistema proporcional de lista flexível, adotado por
países como Bélgica, Dinamarca, Holanda e Suécia, entre outros. Nesse sistema,
os partidos apresentam uma lista hierarquizada de candidatos às eleições
proporcionais, e o eleitor tem a possibilidade de referendar o ordenamento dos
nomes votando na legenda partidária ou pode optar pelo voto em um candidato de
sua preferência. No segundo caso, o eleitor poderia fazer com que seu candidato
subisse posições na lista, facilitando sua eleição, por isso o mecanismo é tido
como “flexível”.
Mudaria também o
cálculo do quociente eleitoral, que tem sido alvo de severas críticas por não
ser um mecanismo de pleno conhecimento do eleitor comum, aumentando ainda mais
a distância entre representante e representado. Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o superintendente da
Associação Viva o Centro, Marco Antônio Ramos de Almeida, destacou que, em São
Paulo, os 55 vereadores eleitos para a Câmara Municipal obtiveram 2.367.187
votos, o que equivale a 33,6% do total dos votos válidos. “Ou seja, 4.659.261 eleitores,
66,3% dos que votaram, – excluindo as abstenções – não votaram diretamente em
nenhum dos eleitos. Além disso, 67 candidatos não eleitos tiveram, cada um
deles, mais votos que o candidato eleito menos votado (que teve apenas 8.722
votos)”. As coligações nas eleições proporcionais tornam ainda mais confuso o
cálculo, e muitas vezes o eleitor ajuda a eleger candidatos que têm propostas
quase diametralmente opostas às daquele em quem ele votou. “Na Câmara dos
Deputados, a soma dos eleitos representa 55% do eleitorado nacional, e se na
Câmara Municipal em São Paulo há um déficit de representatividade mostrado
pelos números das últimas eleições, seria um argumento a mais para se defender
o fim das coligações”, defende Antônio Augusto de Queiroz, jornalista, analista
político e diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar (Diap).
A proposta de reforma
política é que seja adotado o sistema das maiores médias (Fórmula d’Hondt) para
a distribuição de cadeiras, método utilizado em países como Portugal, e que
evitaria a cláusula de barreira para os partidos que não atingirem o quociente
eleitoral. Já em relação às coligações, cria-se a figura das federações
partidárias, nas quais dois ou mais partidos se unem como uma única agremiação,
mas cujos fins vão além dos objetivos eleitorais. As federações podem ter
abrangência nacional ou estadual, e os partidos deverão permanecer filiados a
elas por pelo menos três anos.
Mas para se alterar a
relação que os cidadãos têm com a vida política e aperfeiçoar de fato a
democracia no Brasil, é preciso ir além das mudanças puramente eleitorais. “A
reforma política já é uma necessidade há muito tempo e passa por duas questões
centrais. Primeira, a baixa densidade de participação popular nas decisões dos
processos administrativos dos governos, seja municipal, estadual ou federal.
Uma reforma política digna deste nome deve entender que democracia não
significa simplesmente a constituição de coeficientes eleitorais em momentos de
eleição, mas significa uma abertura cada vez maior para a participação
popular. Isso não tem ocorrido na política brasileira na última década, e nada
foi feito de maneira significativa e substancial para que essa tendência fosse
revertida, para que a política deixe de ser uma política de bastidores e passe
a ser uma política de grande mobilização”, aponta Safatle. “O segundo ponto,
que acho fundamental, é escapar do presidencialismo de coalizão, um dos piores
males da política brasileira. Em todos os níveis, municipal, estadual e
federal, é praticamente impossível, no federal é mais radical, para um partido
só ter a maioria no Legislativo. Isso aconteceu, desde a Nova República, uma
vez com o PMDB, na eleição de 1986, se não me engano, mas em uma situação
completamente atípica, em que o partido era uma frente, e não um partido. Isso
faz com que a relação com o Legislativo seja de profunda articulação
heteróclita, é preciso criar as alianças mais absurdas possíveis para conseguir
ter a maioria dentro do Parlamento. Escapar dessa situação me parece uma coisa
muito importante, para dar inclusive mais clareza ideológica dentro do espectro
político brasileiro.”
O declínio da
direita
Os “nomes novos”
fizeram sucesso nas eleições municipais. Não apenas os candidatos vitoriosos,
mas também, entre aqueles que não conseguiram se eleger, surgem figuras que dão
ao cenário político brasileiro uma outra feição, ainda que velhos nomes tenham conseguido
êxito em algumas cidades. “Existe, de fato, um rejuvenescimento no espectro
político partidário brasileiro; ele é lento, mas tem sido feito. Eu diria que
existem dois elementos que deixam isso muito claro. O primeiro deles é que,
mesmo no interior do PT, existe um processo de renovação de figuras. Aqui em
São Paulo teve o caso do Fernando Haddad; em Campinas, o caso do Marcio
Pochmann. E, no espectro da esquerda, houve um crescimento impressionante, por
exemplo, do Psol, em relação às votações que eles costumavam ter,
principalmente em cidades como o Rio de Janeiro e Belém”, avalia o filósofo
Vladimir Safatle. “Então, acho que está paulatinamente ocorrendo uma espécie de
redimensionamento do campo de escolhas político-partidárias. A quantidade de votos
em branco e nulos pode ser vista como um sintoma de uma demanda por esse tipo
de redimensionamento”, explica.
Aldo Fornazieri,
diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política, foi um dos
primeiros – se não o primeiro – a apontar para um quadro que favorecia
candidaturas adeptas da mudança na cidade de São Paulo. Ele defende que não é
possível generalizar o sentimento de renovação, por causa das especificidades
locais de cada município, mas sustenta que o cenário do pleito, que mostrou o crescimento
de dois partidos que ele considera de centro-esquerda, PT e PSB, não é um mero
acaso.
“A direita e a centro-direita de um modo geral perderam, mas a ascensão de uma centro-esquerda é um fenômeno geral na América Latina. No Chile, em outubro, a coalizão de Sebastián Piñera sofreu uma derrota muito grande”, sustenta. De fato, o grupo formado por PP, PTB, PR e DEM, mesmo somando o neófito PSD, governará apenas 13% do eleitorado das cidades com mais de 200 mil eleitores, praticamente metade do que governava em 2000, 25,1%, de acordo com levantamento feito pelo Valor Econômico. “As pessoas não entendem bem o significado de conceitos de esquerda e direita, mas com o fracasso das políticas neoliberais houve um fortalecimento do discurso da ascensão social, aumento da renda, emprego, crescimento econômico e uso de políticas públicas estatais para enfrentar o problema da pobreza e da desigualdade de renda. Além disso, essa centro-esquerda se apropriou de parte do discurso da centro-direita, de estabilidade e combate à inflação. Como temos contingentes grandes de pobreza e muita desigualdade, neste momento o discurso da centro-esquerda é mais apropriado para dar resposta a esses eleitores que têm características em comum.”(*)
“A direita e a centro-direita de um modo geral perderam, mas a ascensão de uma centro-esquerda é um fenômeno geral na América Latina. No Chile, em outubro, a coalizão de Sebastián Piñera sofreu uma derrota muito grande”, sustenta. De fato, o grupo formado por PP, PTB, PR e DEM, mesmo somando o neófito PSD, governará apenas 13% do eleitorado das cidades com mais de 200 mil eleitores, praticamente metade do que governava em 2000, 25,1%, de acordo com levantamento feito pelo Valor Econômico. “As pessoas não entendem bem o significado de conceitos de esquerda e direita, mas com o fracasso das políticas neoliberais houve um fortalecimento do discurso da ascensão social, aumento da renda, emprego, crescimento econômico e uso de políticas públicas estatais para enfrentar o problema da pobreza e da desigualdade de renda. Além disso, essa centro-esquerda se apropriou de parte do discurso da centro-direita, de estabilidade e combate à inflação. Como temos contingentes grandes de pobreza e muita desigualdade, neste momento o discurso da centro-esquerda é mais apropriado para dar resposta a esses eleitores que têm características em comum.”(*)
(*) Por Glauco Faria
Consciência Política PM&BM
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