A truculência na
repressão indiscriminada e gratuita a manifestantes que participaram de várias
das passeatas nos últimos dias, desde a quinta-feira sangrenta (13/6) na
Avenida Paulista, impôs a urgência de uma velha demanda: a desmilitarização das
polícias e a discussão sobre o papel dessa instituição num Estado democrático.
A indignação
contra a violência policial se espalhou imediatamente nas redes sociais, muitas
vezes acompanhada de vídeos incontestáveis: soldados lançando bombas de gás e
disparando balas de borracha contra pessoas que esperavam a abertura dos
portões do metrô para voltar para casa, ou estavam em bares, ou observavam o
movimento e levantavam as mãos, encurraladas pela polícia.
A avalanche de
denúncias, entretanto, animou muita gente a lembrar um detalhe essencial, que
teve o poder de síntese de um slogan: na favela, as balas não são de borracha.
Noutras palavras: os que sentiram agora o peso das forças da ordem precisam
acordar para a gravidade do que ocorre cotidianamente na periferia social.
A propósito, o site da ONG Justiça Global resume, no início do artigo em
que defende a desmilitarização das polícias: “A polícia que reprime as
manifestações é a mesma que executa pessoas nas favelas e periferias e a mesma
que implanta nos morros as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs)” (íntegra aqui).
O exemplo mais recente veio agora mesmo, na segunda-feira (24/6): no
início da tarde, uma pequena manifestação de jovens na Praça das Nações, em
Bonsucesso, no Rio, convocada pelo Facebook, levou a PM a mobilizar,
segundo O Globo, “250 homens e até um blindado”, o famoso
“caveirão”, para “garantir a segurança e coibir saques”. No início da noite,
teria havido um início de arrastão e, para perseguir os bandidos, os policiais
iniciaram uma “operação” nas favelas do chamado Complexo da Maré. Resultado: um
morador morto, logo depois um sargento do Bope e, em seguida, a chacina. Total
oficialmente reconhecido até quarta-feira (26/7): nove mortos.
A palavra de ordem
pela desmilitarização da polícia ressurgiu com força depois disso: na manhã da
quarta-feira, estava nos precários cartazes de papelão presos nas grades do
prédio da Secretaria de Segurança, onde um grupo de moradores se reuniu para
protestar. E foi incorporada pelos que se mobilizam para a passeata marcada
para quinta-feira (27), no Centro do Rio.
Os métodos da polícia
Quem participou dos protestos no Rio de Janeiro pôde conhecer, se já não
sabia, os métodos da repressão. No dia 17/6, incapaz de cercar e conter os que
depredavam a Assembleia Legislativa, policiais começaram a prender
indiscriminadamente pessoas que apenas assistiam ou documentavam o ato: a
maioria jovens universitários, mas também um morador de rua. “Algumas mochilas
foram retidas, mochilas que depois apareceram, na delegacia, com pedras e
outras coisas que foram colocadas lá como provas”, anotou Carmen Astrid, uma
das presas. Filha de exilados políticos chilenos, ela não se dizia surpresa,
apenas não entendia qual era a acusação: “Me sentia no Processo de
Kafka. Se um policial diz que você fez algo, é a palavra dele que vale”.
Dias depois, na entrevista
coletiva de que participou, após a soltura dos jovens, o fundador da ONG Rio da
Paz, cujo filho também tinha sido preso, declarou:
“Eu me senti negro, pobre, morador de favela, numa
viela escura de uma comunidade pobre. Porque, ao pedir informação para o
policial, era como se eu estivesse falando com um androide. Com uma estátua de
mármore, com um boneco de gesso. Nenhuma explicação, nenhuma justificativa”.
Na passeata do dia
20/6, foi ainda pior: depois do início do confronto, na frente do prédio da
prefeitura do Rio, grupos de vândalos saíram quebrando vidraças, postes, sinais
de trânsito, destruindo ônibus, tocando fogo nas ruas. A polícia, entretanto,
investiu em quem nada tinha a ver com isso. Muitos procuraram abrigo em dois
prédios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que funcionam no
Centro – a Faculdade de Direito e o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
(IFCS) – e só conseguiram sair de lá em segurança muitas horas depois, após a
intervenção da OAB e do Ministério da Justiça.
Pai de uma das
jovens que estava no IFCS, o professor João Batista de Abreu relatou:
“Os que embarcariam no metrô foram orientados por
advogados a não saltar na estação do Largo do Machado. Do lado de fora da
estação, por volta de 21h, havia um cerco de 15 policiais fardados
aguardando os que desembarcavam. Ao lado deles, três homens fortes, todos
com cassetetes na mão, ameaçavam espancar os que saíssem correndo, no que eles
considerassem atitude suspeita. Quando interpelados por uma senhora de 65 anos,
começaram a destratá-la, dizendo que ela deveria estar em casa. Havia um forte
sentimento de que eles tinham recebido carta branca para agir. O
comentário geral é de que esses homens, à paisana e sem identificação,
teriam sido contratados pela Companhia do Metrô para agredir os
estudantes. Como não pertencem aos quadros do Metrô, seria mais fácil depois
escondê-los”.
Pessoas que se
reuniram em bares na Lapa foram agredidas. Jovens que aguardavam a abertura dos
portões do metrô foram atacados, apesar dos pedidos de paz. Mais grave: a
polícia chegou a disparar balas de borracha e bombas de gás contra o Hospital
Souza Aguiar, para onde iam os feridos ou aqueles que tentavam fugir do caos.
A médica Daniela
Judice, que trabalha ali, comentou:
“Meu plantão acaba às 20h. Tentávamos sair quando,
de repente, gritaria e fumaça entrando pelo hospital. O gás pimenta subiu pelas
escadas até alcançar a pediatria, no sétimo andar. Vários funcionários passaram
mal. Mães e crianças aspirando aquele horror. No SÉTIMO andar! Nos isolamos no
CTI. Conseguimos sair de lá às 22h15. Passo pela Presidente Vargas, que parecia
vítima de um tornado”.
(Breve observação sobre o comportamento do maior telejornal do país, que
no dia seguinte conseguia a proeza de veicular um compacto com uma seleção dos
“melhores momentos” dos atos de vandalismo: quatro minutos de cenas de
destruição, sem narração. Apenas no sábado (22/6), o Jornal Nacional abriu
espaço para as denúncias que desde o início circulavam nas redes sociais,
inclusive com vários vídeos sobre o descalabro da repressão policial. Ainda
assim, a apresentação cercou-se da cautela do condicional: falava nos “abusos
que teriam sido cometidos por policiais militares”, apesar das
evidências).
O discurso terrorista e discriminatório
Ao analisar o comportamento da polícia no tumulto em frente à Assembleia
Legislativa, diante de cenas em que um policial descarrega uma metralhadora
para o alto, o comentarista do RJTV Rodrigo Pimentel,
ex-membro do Bope – inspirador do “capitão Nascimento”, personagem do
filme Tropa de Elite –, declarou: “Isso é desastroso, uma arma
de guerra, uma arma de operação policial em favelas, não é
uma arma pra ser usada no ambiente urbano...”.
Porque, como
sabemos, favela não é ambiente urbano, é território livre para a barbárie.
Para quem tem
alguma memória, Pimentel repetia então o raciocínio do secretário de Segurança
Pública, José Mariano Beltrame, sobre uma operação policial na favela da
Coreia, Zona Oeste do Rio, há alguns anos, quando traficantes que tentavam
fugir foram mortos com tiros disparados de um helicóptero: “Um tiroteio na
Coreia é uma coisa, em Copacabana é outra”.
O próprio
Beltrame, na coletiva sobre os excessos policiais nas manifestações da semana
passada, declarou, medindo as palavras: “De nada adianta demonizar a polícia. A
polícia é a que o Estado brasileiro tem. Demonizar a polícia talvez seja
benéfico para vândalo”.
O mesmo discurso
terrorista de sempre, que silencia toda crítica, para afastar a hipótese de que
essa crítica sirva ao “inimigo”. Quem não está conosco está contra nós.
A questão estrutural
Quando discursou
em rede nacional na noite de sexta-feira (21/6), após os conflitos que marcaram
os protestos ao longo da semana em todo o país, a presidente Dilma Rousseff fez
o discurso da lei e da ordem: saudou o “vigor” das manifestações mas condenou
enfaticamente os “arruaceiros”. Não deu uma palavra sobre a brutalidade
policial, que foi flagrante e precisaria ser enfaticamente condenada por uma
questão de princípio, embora, evidentemente, a administração das polícias seja
uma tarefa para os governadores.
Esse aspecto do
discurso, em particular, mereceu muitas críticas nas redes sociais, exatamente
por parte daqueles que apontavam a necessidade de aproveitar a indignação da
classe média para alertar sobre a violência cometida cotidianamente contra os
pretos e pobres.
Porém o problema é
estrutural, e uma visita a um artigo do falecido criminalista Augusto Thompson
ajudaria a esclarecer. Ele mostra que os policiais são treinados para incorporar
o estereótipo de criminoso, associado à pobreza e à cor da pele, e afirma que a
polícia que temos é a que convém ao sistema: “Venal, submissa ao jogo das
pressões, atrabiliária, preconceituosa”.
O criminalista
indica ainda as armadilhas discursivas que desviam o foco da questão
estrutural: bastaria apresentar a “podridão policial” como problema
conjuntural, fruto de defeitos e vícios individuais, e anunciar o saneamento –
ou, como popularmente se diz, a “faxina”.
“Logo o órgão começará a cumprir suas atribuições
de forma limpa, justa, correta, quando, então, viveremos no melhor dos mundos.
Ciclicamente promovem-se campanhas de depuração nas hostes policiais,
aplicam-se mais recursos no setor, aprimoram-se equipamentos, garantindo-se que
já, já, a perfeição será atingida”.
(Bem a propósito,
o secretário Beltrame, diante dos “possíveis excessos” cometidos na Maré,
declarou: “Essas coisas têm de ser apuradas. Temos aqui mais de 1.500 policiais
expulsos. Isso não é problema e, se tiver que expulsar mais, vamos expulsar”.)
Luta de classes
Thompson aponta a
manobra operada através dos meios de comunicação com o objetivo de convencer a
população de que a questão relativa à distribuição de uma justiça criminal
perversa decorre de mero acidente, “ou, ainda, em último caso, porque de um
povo que não presta fica inviável recrutar gente de bem para integrar o corpo
policial (‘cada povo tem a polícia que merece’)”.
O resultado é que
as pessoas esquecem que o problema está nos próprios fundamentos do sistema,
feito para funcionar exatamente assim, e gastam suas energias “em brados de
revolta contra a polícia que atualmente existe”.
Diante dos
acontecimentos das últimas semanas, estaríamos, talvez, em condições de
levantar essas questões estruturais: porque finalmente as pessoas estão
percebendo o que é esta polícia é que precisaríamos, urgentemente, protestar e
exigir o fim desta polícia, ou então não estaremos vivendo no que minimamente
se poderia chamar de democracia.
Porém, passada a
indignação inicial, talvez tudo volte a ser como sempre. Os acontecimentos na
Maré, que vararam a madrugada de segunda para terça-feira, oferecem uma boa
oportunidade para saber de que lado estamos e o que queremos de fato.
Afinal, como disse
um poeta da periferia paulistana durante uma das recentes manifestações em São
Paulo, “esta não é uma luta qualquer; é uma luta de classes”.
***
Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade
Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos
motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas,
2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso
comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)
#VAMOS TIRAR OS LOBOS DO CONGRESSO NACIONAL
Polícia Cidadã
Para alcançarmos está
Polícia Cidadã é necessário antes de qualquer coisa que nós como cidadãos de um
país democrático tenhamos uma polícia desmilitarizada, há uma necessidade
urgente dessa transformação. Para que tenhamos uma Polícia Cidadã somente é
necessário que você Assine a nossa petição:
PETIÇÃO PÚBLICA PELA DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS E BOMBEIROS MILITARES
DO BRASIL!
Consciência
Política PM&BM
Caro amigo poliglota, não sei se posso lhe chamar assim, mais como estamos na mesma luta, por uma policia mais justa, então posso lhe passar o seguinte endereço:
ResponderExcluirhttp://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2013N42694
se os policiais militares do Brasil quizerem mesmo uma polícia digna, assinem a petição, um grande abraço, que NOSSO SENHOR JESUS CRISTO NOS ILUMINE E NOS PROTEJA SEMPRE.