sábado, 4 de maio de 2013

A carta roubada e os costumes de Brasília



– Ainda se lê Edgar Allan Poe? – perguntaria o Décio.

– Eu leio. Sou anacrônico – eu responderia.

Já faz tempo que Décio Freitas se foi. Faz muita falta. Quem não conhece a história do conto da carta roubada de Poe? Uma carta é roubada dos aposentos reais pelo ministro D. Naquele tempo, final do século XIX, ainda havia histórias de ministros que faziam coisas erradas nas barbas da realeza. A polícia é chamada. Aparece prontamente. Era assim no século retrasado. E pede ajuda ao detetive Dupin. O homem resolve todas.



A carta roubada estava escondida bem em cima da lareira.

Brasília pratica o mesmo método. Esconde as cartas roubadas bem à vista de todos. Qual o melhor lugar para esconder um senador acusado de malfeitos? Na presidência do Senado. Qual o melhor lugar para esconder um deputado enxovalhado? Na presidência da Câmara. Alguém, precipitado, poderá alegar que eles ficaram muito visíveis e tiveram os seus problemas trazidos à tona. É verdade. Nada que pudesse, contudo, atrapalhar o negócio. O grande filósofo Michel Foucault ensinou que uma sociedade moralista não impede de falar de sexo. Ao contrário, faz falar constantemente disso.

A obscenidade política esconde-se melhor estando à vista de todos.

O PT quer salvar seus deputados mensaleiros tomando conta do conselho de ética da Câmara. Normalmente um conselho de ética deveria ser o pior lugar para proteger quem fez coisa errada. A lareira também era o pior lugar para esconder a carta roubada. Um olhar aguçado, como o do detetive Dupin, pode descobrir tudo. 

Aí é que o leitor se engana. Tudo já está descoberto. O olhar aguçado da mídia enxerga de viés e contrasta com o olhar opaco do eleitor. Como disse alguém, os políticos saíram do armário e nada mais escondem. Melhor, sempre escondem, mas, quando descobertos, depois de negar por dever de ofício, correm para o meio da lareira, o conselho de ética, em busca de um último refúgio. Cada partido quer salvar os seus porque os vizinhos sempre fazem o mesmo.

Quando será que os políticos entenderão: a salvação está no extermínio? Se jogar para fora do barco todos os condenados por isso ou aquilo, haverá uma possibilidade de reescrever a carta. É uma questão de mensagem. O esperto Dupin troca a carta e deixa um recado para o ladrão. Houve um tempo em que os nossos políticos temiam as mensagens da mídia, pois elas refletiam, em algum grau, o recado da opinião pública, que é o outro nome dos eleitores. 

Na prática era, escreveu, não leu, o voto pega. Não há mais mensagem. E não se pode atribuir à urna eletrônica o fim desse recado. Os políticos não temem mais a sanção das urnas, especialmente quando a eleição ainda está razoavelmente longe. Eles contam com a frágil memória dos cidadão para esconder a carta num novo lugar ainda mais seguro e inimaginável: o meio da lareira.

Se algum mau político leu a carta roubada, talvez tenha retido apenas o seguinte: Dupin só revelou onde se encontrava a carta depois que o delegado lhe ofereceu 50 mil francos. Em cheque. Hoje, seria melhor “cash”.

Por: Juremir

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