– Ainda se
lê Edgar Allan Poe? – perguntaria o Décio.
– Eu leio. Sou anacrônico – eu responderia.
Já faz tempo que Décio Freitas se foi. Faz muita
falta. Quem não conhece a história do conto da carta roubada de Poe? Uma carta
é roubada dos aposentos reais pelo ministro D. Naquele tempo, final do século
XIX, ainda havia histórias de ministros que faziam coisas erradas nas barbas da
realeza. A polícia é chamada. Aparece prontamente. Era assim no século
retrasado. E pede ajuda ao detetive Dupin. O homem resolve todas.
A carta roubada estava escondida bem em cima da
lareira.
Brasília pratica o mesmo método. Esconde as cartas
roubadas bem à vista de todos. Qual o melhor lugar para esconder um senador
acusado de malfeitos? Na presidência do Senado. Qual o melhor lugar para
esconder um deputado enxovalhado? Na presidência da Câmara. Alguém,
precipitado, poderá alegar que eles ficaram muito visíveis e tiveram os seus
problemas trazidos à tona. É verdade. Nada que pudesse, contudo, atrapalhar o
negócio. O grande filósofo Michel Foucault ensinou que uma sociedade moralista
não impede de falar de sexo. Ao contrário, faz falar constantemente disso.
A obscenidade política esconde-se melhor estando à
vista de todos.
O PT quer salvar seus deputados mensaleiros tomando
conta do conselho de ética da Câmara. Normalmente um conselho de ética deveria
ser o pior lugar para proteger quem fez coisa errada. A lareira também era o
pior lugar para esconder a carta roubada. Um olhar aguçado, como o do detetive
Dupin, pode descobrir tudo.
Aí é que o leitor se engana. Tudo já está
descoberto. O olhar aguçado da mídia enxerga de viés e contrasta com o olhar
opaco do eleitor. Como disse alguém, os políticos saíram do armário e nada mais
escondem. Melhor, sempre escondem, mas, quando descobertos, depois de negar por
dever de ofício, correm para o meio da lareira, o conselho de ética, em busca
de um último refúgio. Cada partido quer salvar os seus porque os vizinhos
sempre fazem o mesmo.
Quando será que os políticos entenderão: a salvação
está no extermínio? Se jogar para fora do barco todos os condenados por isso ou
aquilo, haverá uma possibilidade de reescrever a carta. É uma questão de
mensagem. O esperto Dupin troca a carta e deixa um recado para o ladrão. Houve
um tempo em que os nossos políticos temiam as mensagens da mídia, pois elas
refletiam, em algum grau, o recado da opinião pública, que é o outro nome dos
eleitores.
Na prática era, escreveu, não leu, o voto pega. Não há mais
mensagem. E não se pode atribuir à urna eletrônica o fim desse recado. Os
políticos não temem mais a sanção das urnas, especialmente quando a eleição
ainda está razoavelmente longe. Eles contam com a frágil memória dos cidadão
para esconder a carta num novo lugar ainda mais seguro e inimaginável: o meio
da lareira.
Se algum mau político leu a carta roubada, talvez
tenha retido apenas o seguinte: Dupin só revelou onde se encontrava a carta
depois que o delegado lhe ofereceu 50 mil francos. Em cheque. Hoje, seria
melhor “cash”.
Por: Juremir
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